domingo, 27 de abril de 2014

CASO DA ESCOLA BASE, Aclimação, São Paulo (1994) - 40ª edição



Início de março, ano 1994.
Duas mães, Lúcia Eiko Tanoue e Cléa Parente de Carvalho, se dirigiram à 6ª Delegacia de Polícia, na zona sul de São Paulo e “prestaram queixa” contra três casais que trabalhavam na Escola de Educação Infantil Base, localizada no bairro da Aclimação, em São Paulo.

Segundo as mães, o casal Maria Aparecida Shimada e Icushiro Shimada, conhecido como Ayres, donos da escola, promovia orgias sexuais com as crianças na casa de Saulo e Mara, pais de um dos alunos. Também, a sócia de Maria Aparecida, Paula, e o motorista da kombi, Maurício Alvarenga, que levava as crianças para casa, estariam envolvidos. O delegado responsável pelo caso, Edélcio Lemos, encaminhou as crianças ao IML (pois apresentavam assaduras causadas pela forma de se sentar e pelo tempo de trocar a fralda) e obteve um mandado de busca e apreensão para o apartamento de Saulo e Mara.

Como NADA FOI ENCONTRADO na residência do casal, as mães se “indignaram” e acionaram a Rede Globo... no final do dia, o IML enviou a seguinte mensagem, INTERPRETADA pelo delegado Edélcio Lemos:

Referente ao laudo n. 6.254/94 do menor F.J.T. Chang, BO 1827/94, informamos que o resultado do exame é COMPATÍVEL com a prática de atos libidinosos. Dra. Eliete Pacheco, setor de sexologia, IML, sede.”

Jornal "Notícias Populares"

Bastou... o delegado deu início a uma série de declarações à mídia, o que levou a opinião pública a classificar essas seis pessoas – Maria Aparecida, Ayres, Paula, Maurício, Saulo e Mara – como CULPADOS por pedofilia. Ademais, como nada de grande impacto estava acontecendo na época, raros os jornais que não trouxeram a Escola Base como manchete. Eles foram acusados de drogar os alunos, fotografá-los nus e de terem feito todo o tipo de perversidades com as crianças. Foram presos, fotografados, expostos na mídia ANTES de conclusas as investigações sobre o possível fato criminoso.

O Jornal Nacional chegou a sugerir o “consumo de drogas” e a “contaminação pelo vírus da AIDS”, enquanto a Folha da Tarde noticiava: “Perua carregava crianças para orgia”... o Notícias Populares estampou em sua capa o título: “kombi era motel na escolinha do sexo”.

Quando as primeiras provas de que aquelas seis pessoas eram inocentes começaram a surgir, o delegado foi afastado e assumiram o seu lugar Jorge Carrasco e Gérson de Carvalho... uma denúncia anônima levou a polícia à casa de Richard Harrod, que chegou a ser preso por suspeita de tráfico de fotos de crianças, entre elas, as da Escola Base... os menores chegaram a ser levados à casa de Richard para um possível “reconhecimento do local” e, pelo simples fato da filha de Cléa ter querido brincar com uma abelhinha de pelúcia que estava na residência, foi o suficiente para dizerem que ela estaria identificando o local. Daí, foi um pulo para a imprensa noticiar:

Alunos da Escola Base RECONHECEM a casa do americano” (O Estadão) / “Criança liga americano a abuso de escola” (Folha). No dia 13 de abril, após a prisão do americano e depois de tanta repercussão, foi esclarecido que ele SEQUER CONHECIA os “culpados” pelo caso da Escola Base...

Após a prisão preventiva de Saulo e Mara, os advogados tiveram acesso ao laudo do IML e perceberam que o resultado era totalmente inconclusivo... as cicatrizes no menino poderiam ser tanto de abuso sexual quanto por uma diarreia forte. Posteriormente, a professora Lúcia Eiko confirmou que seu filho sofria de CONSTIPAÇÃO INTESTINAL.

O muro da casa de Maurício e a Escola Base

Começaram a surgir provas da inocência dos envolvidos... no dia 22 de junho, o delegado Gérson de Carvalho inocentou todos os envolvidos... e os jornais começaram suas retratações, focando nas verdadeiras vítimas do fato. Mas os danos já estavam causados.

Até hoje, as reais vítimas sofrem com as consequências do crime que SIM cometeram contra eles: Ayres está com dívidas financeiras, sofre com problemas emocionais e não consegue dormir à noite, enquanto sua esposa, Maria Aparecida, teve seu sonho exterminado por falsas acusações.

Saulo e Mara Nunes também enfrentam problemas financeiros pela contratação de advogados... Paula e Maurício Alvarenga se divorciaram. Ele sofreu com Síndrome do Pânico, tinha medo de sair à rua e, para encontrar seu advogado, montava esquemas de disfarce por medo de ser reconhecido. Paula foi morar com suas filhas na casa da mãe, está 60kg acima do peso, sofre de depressão e tem um emprego onde recebe salário mínimo... nunca mais conseguiu emprego como professora – ninguém confia em uma suspeita de abuso sexual infantil.

O delegado Edélcio tornou-se delegado titular e, segundo a fonte desta notícia, dá aulas na academia de Polícia Civil... Richard Pedicini se viu livre das acusações mas, ainda sim, se dedicou a provar sua inocência e angariou inúmeras dívidas financeiras.

As mães Cléa e Lúcia, aconselhadas pela psicóloga Walquiria Fonseca Duarte, continuaram com o tratamento psicológico dos seus filhos, pois, de acordo com a especialista, eles foram realmente vítimas de abuso sexual – também, se não continuassem a afirmar suas “suspeitas”, poderiam responder por denunciação caluniosa (art. 339 do nosso código repressor). O feitiço viraria contra o feiticeiro...

No dia 28 de março de 2013, o valor da indenização que o Estado de São Paulo deve aos seis envolvidos estava em R$ 457mil. O decreto que autorizou a indenização de Paula foi assinado pelo governador de Mário Covas, em 1999... com o seu falecimento em 2001, o decreto passou a ser questionado.

Em primeira instância, uma juíza acolheu o argumento da advocacia do Estado que afirmava que o decreto apenas significava que Covas havia mandado verificar se havia débito com alguma vítima da Escola Base... como a ação foi iniciada em 2004, dez anos após o incidente, ocorrera a PRESCRIÇÃO e nada mais poderia ser cobrado...

Icushiro e sua esposa, Maria Aparecida Shimada (falecida em 2007, devido a um câncer), e Maurício Alvarenga já foram indenizados por vários meios de comunicação após decisão do STF, mas ainda aguardam o montante a ser pago pelo Estado. Segundo o advogado, o juiz deu uma sentença de cem salários mínimos; ao recorrerem, chegou a cem mil reais cada um, mas o processo chegou ao STJ e a indenização à R$ 250mil. Processo no STJ: REsp 351779.

A Rede Globo foi condenada a pagar cerca de R$ 1,35milhão aos donos e o motorista da Escola Base, porém, ingressou com recurso... a decisão da 7ª Câmara de Direito Privado do TJ paulista foi unânime... segundo os desembargadores “a atuação da imprensa deve se pautar pelo cuidado na divulgação ou veiculação de fatos ofensivos à dignidade e aos direitos de cidadania. Em março de 1994, a imprensa publicou reportagens sobre seis pessoas que estariam envolvidas no abuso sexual de crianças, alunas da Escola Base, localizada no Bairro da Aclimação, em São Paulo. Jornais, revistas, emissoras de rádio e tevê basearam-se em “ouvir dizer” sem investigar o caso. Quando foi descoberto, a escola já havia sido DEPREDADA, os donos estavam FALIDOS e eram AMEAÇADOS DE MORTE em telefonemas anônimos.

Esse caso se tornou referência OBRIGATÓRIA nas discussões a respeito de ética no jornalismo e poder da mídia, bem como nos cursos de Direito, nas cadeiras de Constitucional, Penal e Processo Penal.





Fonte: Casa dos Focas
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