Ruas
tranquilas, muito tédio e o generoso convívio com amigos e parentes... essa rotina de cidadezinha que Batatais (353 km de SP) possui, pouco
mudou em 176 anos de existência (completos em 14 de março deste
ano), exceto pelo dia 25 de março de 2002. Na tarde daquele dia, a
dona-de-casa Maria Aparecida Faccion encurtou uma visita à casa da
mãe, que mora a poucas quadras.
Começava
a chover e ela voltou para cozinhar o jantar do marido, Carlos
Roberto Faccion, que ainda não voltara do trabalho. Estava
acompanhada de quatro de seus cinco filhos. Eles queriam ver a avó
materna, mas não sabiam que seria pela última vez. Até o final
daquela noite, a família Faccion seria reduzida a uma pilha de
corpos, assassinados brutalmente. O autor da matança: Carlos Fabiano
Faccion, de 25 anos, pintor desempregado e filho mais velho do casal,
acompanhado pela namorada, Edna Emília Milani, 20 anos, e por um
menor de idade que foi convencido a ajudá-los a praticar o crime em
troca de ½ kg de maconha.
Fonte: Flickr
Fabinho,
como é conhecido, seria preso poucas horas depois, com a namorada,
na Vila Lídia, bairro da periferia próximo ao local da chacina.
Ainda estavam sujos de sangue quando uma tia do rapaz bateu na casa
da namorada. “Fabinho, mataram seus pais”, disse-lhe Márcia
Helena Botelho, assim que a porta foi aberta. “O que vou fazer sem
meu pai e minha mãe?”, respondeu ele, cobrindo o rosto com o braço
esquerdo, como se estivesse chorando. Não derramou uma lágrima
sequer.
Márcia,
que é casada com um tio de Fabinho, havia convencido os policiais a
lhe darem uma carona até a casa onde o rapaz se encontrava para
transmitir-lhe a notícia da tragédia. Estranhou seu comportamento.
“Ele estava descalço, de bermudas, e escondia a mão direita atrás
da porta”, observou. Soube-se depois que Fabinho havia machucado a
mão ao matar a própria família. Um dos investigadores percebeu que
havia sangue respingado na perna dele. Entraram no barracão da rua
Paraná, encontraram Edna, a namorada, também com manchas de sangue
na calça. Ela ainda tentou convencê-los de que a origem do sangue
se devia ao fato de estar menstruada, mas acabou admitindo o crime.
Ambos foram presos. Pouco depois, a polícia deteve outro acusado, o
garoto C. R. S. D., o Estrela, de 13 anos, que foi levado para a
FEBEM.
Os três
confessaram tudo. Revelaram friamente o planejamento, o propósito e
os detalhes da matança, sem remorso, sem arrependimento. Fabinho não
queria a interferência de seus pais no relacionamento com Edna. Eles
não gostavam dela. Duas semanas antes do crime, por ideia de Edna, o
casal arquitetou a ação, que deveria simular uma tentativa de
assalto. “Eles confessaram que pretendiam ficar com a casa dos pais
de Fabinho”, disse o advogado Paulo Fernandes Tahan, designado pela
Justiça para representar os acusados. O terceiro envolvido, 'Estrela',
foi pago para participar do ataque aos Faccion com um pacote de meio
quilo de maconha.
A droga,
usada como moeda na matança, foi um dos motivos de desavenças entre
a família de Fabinho e a namorada, que ele conheceu no ano de 2001. O rapaz não tinha emprego fixo e trabalhava como pintor e ajudante de
obras ocasionalmente. Separou-se de Sílvia, com quem foi casado
durante três anos para ficar com Edna. Egressa de um orfanato
público, a nova namorada de apenas 20 anos tem três filhos e
responde inquérito por tráfico de drogas. “Ela nunca prestou.
Edna virou a cabeça de Fabinho”, afirma Luís Antonio Faccion,
irmão do motorista Carlos Faccion, assassinado pelo filho. Luís e
Carlos trabalhavam na mesma empresa de terraplanagem há mais de dez
anos.
Apesar
dos problemas que causava à família, nos últimos tempos Fabinho
ajudava o pai a consertar carros, bico que Carlos fazia em casa, na
Vila Nova Eldorado, para completar o orçamento. Era uma
reaproximação do primogênito, que voltou a morar na casa paterna
depois de alguns meses de convívio com Edna. “Você só fica aqui
se for sem ela”, sentenciou o pai. Fabinho fez que concordou com a
imposição, mas continuou encontrando-se com a moça. Segundo
vizinhos, foi por intermédio dela que Fabinho começou a usar
maconha. Há 15 dias, ele e o pai tiveram uma discussão em público,
na frente da casa. “O Carlos achava que se não fosse pela Edna o
Fabinho ia voltar para o bom caminho”, afirma um vizinho.
Edna
odiava os pais do namorado. Ela queria vingar-se da família, em
especial da cunhada Elaine, que julgava ter sido o pivô de seus
problemas com os Faccion. Grávida de nove meses, Elaine foi o alvo
preferido da brutalidade. “Eu puxei o cabelo dela, olhei nos olhos
e disse: 'Agora, nunca mais você vai estragar minha vida,
intrometer-se. Eu senti muito ódio', revelou Edna numa entrevista
concedida logo após sua prisão. Em seguida, ela usou uma faca para
finalizar o trabalho que já havia sido começado por Fabinho.
“Meu
pai não deixava eu viver minha vida”, comentou Fabinho no mesmo
dia. Ele acabou sendo preso na cidade de Franca, onde foi espancado
pelos outros detentos. No dia 28 de março, uma quinta-feira, foi
transferido para uma cela isolada na cadeia do município de
Itirapoã, na mesma região.
Edna, que
foi detida no Presídio Feminino de Altinópolis, quase morreu nas
mãos de um grupo de 80 detentas. Elas arrebentaram o cadeado da cela
separada onde a homicida estava presa e a espancaram com pedaços de
pau e pedras. A moça teve fratura no crânio, levou 150 pontos na
cabeça, mas não correu risco de vida, permanecendo internada no
Hospital das Clínicas, em Ribeirão Preto.
O ódio
popular contra o casal tem origem na forma bárbara que caracterizou
a matança. Na madrugada do dia 26 de março de 2002, Fabinho, Edna e
Estrela foram à casa dos Faccion. Segundo o relato dos próprios
acusados, a primeira vítima do grupo foi Carlos Faccion (48 anos),
pai de Fabinho. Ele recebeu duas pancadas na cabeça com um cano de
ferro de duas polegadas. “O que você está fazendo comigo,
filho?”, ele chegou a gritar, antes de morrer. Fabinho ordenou a
Estrela que cortasse o pescoço de seu pai, que morreu na cozinha da
casa. Em seguida, o grupo entrou no quarto, onde Fabinho executou a
própria mãe, Maria Aparecida (46 anos), com dois golpes de cano.
Edna cortou a jugular da sogra com uma faca de cozinha.
Dois
irmãos do assassino, Elaine (grávida de 9 meses, 25 anos) e Lucas
(15 anos), que dormiam no outro quarto, acordaram e tentaram reagir.
Lutaram com os agressores, em vão. Também foram mortos cm facadas e
golpes de cano. A fúria assassina não perdoou nem mesmo a pequena
Tália (3 anos), filha caçula dos Faccion. O irmão dela, Luís
Henrique (7 anos), e a filha de Elaine, Laira (3 anos), receberam
golpes na cabeça. Fraturaram o crânio e perderam massa encefálica.
Permaneceram internados em estado grave, em coma induzido respirando
por aparelhos na UTI do mesmo hospital para onde Edna foi levada
depois da tentativa de linchamento.
Apenas a
avó paterna do assassino, Alice Baldo Faccion (72 anos) foi poupada.
Ela estava encolhida na cama, num canto do quarto e dormiu sem nada
ver, sob o efeito de medicamentos que costumava tomar. Em depoimento,
Edna falou que a avó não foi vista, caso contrário, teria morrido.
Alice faleceu alguns anos depois, por problemas de saúde.
Em 23 de
abril de 2002, Laira deixou a UTI, porém, seu tio, Luís Henrique
permaneceu internado por mais algum tempo. As crianças Luiz Henrique
Faccion e Laira Fernanda Faccion Rodrigues tentam reconstruir suas
vidas. Segundo informações, Luiz foi adotado pelos tios, que moram
até hoje no mesmo bairro. Já passou por várias cirurgias e sessões
de fisioterapia, fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas
ocupacionais e nutricionistas da APAE de Batatais. Hoje, apresenta
melhoras. Laira reside em um abrigo em Batatais e cursa o ensino
fundamental em uma escola municipal da região. Voltou no ano passado
a fazer acompanhamento psicológico. Apresentam sequelas físicas e
psicológicas provenientes das lesões sofridas no ataque,
especialmente Luiz, que sofre com uma inflamação na cabeça e
utiliza uma placa de silicone na cabeça para recompor a perda de
massa encefálica que sofreu durante a chacina.
Vítimas
– cinco primeiros, fatais; Luiz e Laira, sobreviventes:
→
Carlos Roberto Faccion, pai (48 anos)
→ Maria
Aparecida da Silva, mãe (46 anos)
→
Elaine Cristina Faccion, irmã e grávida de 9 meses (25 anos)
→ Lucas
Donizetti Faccion, irmão (15 anos)
→ Talia
Roberta Faccion, irmã caçula (3 anos)
→ Luiz
Henrique Faccion, irmão (7 anos, na época do crime)
→ Laira
Fernanda Faccion Rodrigues, filha de Elaine - sobrinha (3 anos, na
época do crime)
Dados
processuais:
Carlos
Fabiano Faccion e Edna Emília Milani foram submetidos a dois
julgamentos, acusados de 8 crimes: 5 (cinco) homicídios
quadruplamente qualificados, 1 (um) aborto e 2 (duas) tentativas de
homicídio.
O
primeiro julgamento de Edna e de Carlos ocorreu, respectivamente, em
maio de 2006 e março de 2007. Edna foi condenada à 132 anos, dez
meses e 8 dias em regime fechado enquanto Carlos foi condenado à 140
anos, 1 mês e 8 dias – teve sua pena maior pelo vínculo familiar
que possuía com as vítimas.
A defesa,
em ambos os casos, recorreu utilizando o Protesto por Novo Júri, já
que a pena pelo homicídio de Talia resultou em mais de 20 anos de
prisão – exatamente 22 anos e 3 meses para Edna, e 24 anos para
Carlos. As demais condenações foram mantidas.
O segundo
julgamento de Carlos foi em outubro de 2007 e resultou na condenação
à 138 anos, 1 mês e 8 dias.
O segundo
julgamento de Edna ocorreu em novembro de 2007 e também reduzida em
2 anos e 3 meses, fixou-se em 130 anos.
Não
constam tantas informações quanto aos julgamentos, porém, a juíza
que presidiu o segundo julgamento de Edna, Dra. Adriana Gatto
Martins, a redução foi resultado de uma somatória pelas quatro
qualificações ter sido feita com outro método. A juíza manteve a
pena-base de 12 anos, pelo assassinato de Talia, e adicionou 2/3,
enquanto a juíza do julgamento anterior utilizou a somatória
capitalizada.
O
(na época) menor Estrela foi encaminhado à FEBEM, onde cumpriu
menos de 3 anos e foi solto.
Fonte: publicações na mídia e site do Tribunal de Justiça de São Paulo.
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