quarta-feira, 19 de junho de 2013

CHACINA DO ALVORADA - Batatais/SP (2002) - 1ª edição


Ruas tranquilas, muito tédio e o generoso convívio com amigos e parentes... essa rotina de cidadezinha que Batatais (353 km de SP) possui, pouco mudou em 176 anos de existência (completos em 14 de março deste ano), exceto pelo dia 25 de março de 2002. Na tarde daquele dia, a dona-de-casa Maria Aparecida Faccion encurtou uma visita à casa da mãe, que mora a poucas quadras.

Começava a chover e ela voltou para cozinhar o jantar do marido, Carlos Roberto Faccion, que ainda não voltara do trabalho. Estava acompanhada de quatro de seus cinco filhos. Eles queriam ver a avó materna, mas não sabiam que seria pela última vez. Até o final daquela noite, a família Faccion seria reduzida a uma pilha de corpos, assassinados brutalmente. O autor da matança: Carlos Fabiano Faccion, de 25 anos, pintor desempregado e filho mais velho do casal, acompanhado pela namorada, Edna Emília Milani, 20 anos, e por um menor de idade que foi convencido a ajudá-los a praticar o crime em troca de ½ kg de maconha.


                                                             Fonte: Flickr

Fabinho, como é conhecido, seria preso poucas horas depois, com a namorada, na Vila Lídia, bairro da periferia próximo ao local da chacina. Ainda estavam sujos de sangue quando uma tia do rapaz bateu na casa da namorada. “Fabinho, mataram seus pais”, disse-lhe Márcia Helena Botelho, assim que a porta foi aberta. “O que vou fazer sem meu pai e minha mãe?”, respondeu ele, cobrindo o rosto com o braço esquerdo, como se estivesse chorando. Não derramou uma lágrima sequer.

Márcia, que é casada com um tio de Fabinho, havia convencido os policiais a lhe darem uma carona até a casa onde o rapaz se encontrava para transmitir-lhe a notícia da tragédia. Estranhou seu comportamento. “Ele estava descalço, de bermudas, e escondia a mão direita atrás da porta”, observou. Soube-se depois que Fabinho havia machucado a mão ao matar a própria família. Um dos investigadores percebeu que havia sangue respingado na perna dele. Entraram no barracão da rua Paraná, encontraram Edna, a namorada, também com manchas de sangue na calça. Ela ainda tentou convencê-los de que a origem do sangue se devia ao fato de estar menstruada, mas acabou admitindo o crime. Ambos foram presos. Pouco depois, a polícia deteve outro acusado, o garoto C. R. S. D., o Estrela, de 13 anos, que foi levado para a FEBEM.
                                                          
                 


Os três confessaram tudo. Revelaram friamente o planejamento, o propósito e os detalhes da matança, sem remorso, sem arrependimento. Fabinho não queria a interferência de seus pais no relacionamento com Edna. Eles não gostavam dela. Duas semanas antes do crime, por ideia de Edna, o casal arquitetou a ação, que deveria simular uma tentativa de assalto. “Eles confessaram que pretendiam ficar com a casa dos pais de Fabinho”, disse o advogado Paulo Fernandes Tahan, designado pela Justiça para representar os acusados. O terceiro envolvido, 'Estrela', foi pago para participar do ataque aos Faccion com um pacote de meio quilo de maconha.

A droga, usada como moeda na matança, foi um dos motivos de desavenças entre a família de Fabinho e a namorada, que ele conheceu no ano de 2001. O rapaz não tinha emprego fixo e trabalhava como pintor e ajudante de obras ocasionalmente. Separou-se de Sílvia, com quem foi casado durante três anos para ficar com Edna. Egressa de um orfanato público, a nova namorada de apenas 20 anos tem três filhos e responde inquérito por tráfico de drogas. “Ela nunca prestou. Edna virou a cabeça de Fabinho”, afirma Luís Antonio Faccion, irmão do motorista Carlos Faccion, assassinado pelo filho. Luís e Carlos trabalhavam na mesma empresa de terraplanagem há mais de dez anos.

Apesar dos problemas que causava à família, nos últimos tempos Fabinho ajudava o pai a consertar carros, bico que Carlos fazia em casa, na Vila Nova Eldorado, para completar o orçamento. Era uma reaproximação do primogênito, que voltou a morar na casa paterna depois de alguns meses de convívio com Edna. “Você só fica aqui se for sem ela”, sentenciou o pai. Fabinho fez que concordou com a imposição, mas continuou encontrando-se com a moça. Segundo vizinhos, foi por intermédio dela que Fabinho começou a usar maconha. Há 15 dias, ele e o pai tiveram uma discussão em público, na frente da casa. “O Carlos achava que se não fosse pela Edna o Fabinho ia voltar para o bom caminho”, afirma um vizinho.

Edna odiava os pais do namorado. Ela queria vingar-se da família, em especial da cunhada Elaine, que julgava ter sido o pivô de seus problemas com os Faccion. Grávida de nove meses, Elaine foi o alvo preferido da brutalidade. “Eu puxei o cabelo dela, olhei nos olhos e disse: 'Agora, nunca mais você vai estragar minha vida, intrometer-se. Eu senti muito ódio', revelou Edna numa entrevista concedida logo após sua prisão. Em seguida, ela usou uma faca para finalizar o trabalho que já havia sido começado por Fabinho.

“Meu pai não deixava eu viver minha vida”, comentou Fabinho no mesmo dia. Ele acabou sendo preso na cidade de Franca, onde foi espancado pelos outros detentos. No dia 28 de março, uma quinta-feira, foi transferido para uma cela isolada na cadeia do município de Itirapoã, na mesma região.



Edna, que foi detida no Presídio Feminino de Altinópolis, quase morreu nas mãos de um grupo de 80 detentas. Elas arrebentaram o cadeado da cela separada onde a homicida estava presa e a espancaram com pedaços de pau e pedras. A moça teve fratura no crânio, levou 150 pontos na cabeça, mas não correu risco de vida, permanecendo internada no Hospital das Clínicas, em Ribeirão Preto.

O ódio popular contra o casal tem origem na forma bárbara que caracterizou a matança. Na madrugada do dia 26 de março de 2002, Fabinho, Edna e Estrela foram à casa dos Faccion. Segundo o relato dos próprios acusados, a primeira vítima do grupo foi Carlos Faccion (48 anos), pai de Fabinho. Ele recebeu duas pancadas na cabeça com um cano de ferro de duas polegadas. “O que você está fazendo comigo, filho?”, ele chegou a gritar, antes de morrer. Fabinho ordenou a Estrela que cortasse o pescoço de seu pai, que morreu na cozinha da casa. Em seguida, o grupo entrou no quarto, onde Fabinho executou a própria mãe, Maria Aparecida (46 anos), com dois golpes de cano. Edna cortou a jugular da sogra com uma faca de cozinha.

Dois irmãos do assassino, Elaine (grávida de 9 meses, 25 anos) e Lucas (15 anos), que dormiam no outro quarto, acordaram e tentaram reagir. Lutaram com os agressores, em vão. Também foram mortos cm facadas e golpes de cano. A fúria assassina não perdoou nem mesmo a pequena Tália (3 anos), filha caçula dos Faccion. O irmão dela, Luís Henrique (7 anos), e a filha de Elaine, Laira (3 anos), receberam golpes na cabeça. Fraturaram o crânio e perderam massa encefálica. Permaneceram internados em estado grave, em coma induzido respirando por aparelhos na UTI do mesmo hospital para onde Edna foi levada depois da tentativa de linchamento.

Apenas a avó paterna do assassino, Alice Baldo Faccion (72 anos) foi poupada. Ela estava encolhida na cama, num canto do quarto e dormiu sem nada ver, sob o efeito de medicamentos que costumava tomar. Em depoimento, Edna falou que a avó não foi vista, caso contrário, teria morrido. Alice faleceu alguns anos depois, por problemas de saúde.

Em 23 de abril de 2002, Laira deixou a UTI, porém, seu tio, Luís Henrique permaneceu internado por mais algum tempo. As crianças Luiz Henrique Faccion e Laira Fernanda Faccion Rodrigues tentam reconstruir suas vidas. Segundo informações, Luiz foi adotado pelos tios, que moram até hoje no mesmo bairro. Já passou por várias cirurgias e sessões de fisioterapia, fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais e nutricionistas da APAE de Batatais. Hoje, apresenta melhoras. Laira reside em um abrigo em Batatais e cursa o ensino fundamental em uma escola municipal da região. Voltou no ano passado a fazer acompanhamento psicológico. Apresentam sequelas físicas e psicológicas provenientes das lesões sofridas no ataque, especialmente Luiz, que sofre com uma inflamação na cabeça e utiliza uma placa de silicone na cabeça para recompor a perda de massa encefálica que sofreu durante a chacina.

Vítimas – cinco primeiros, fatais; Luiz e Laira, sobreviventes:

→ Carlos Roberto Faccion, pai (48 anos)
→ Maria Aparecida da Silva, mãe (46 anos)
→ Elaine Cristina Faccion, irmã e grávida de 9 meses (25 anos)
→ Lucas Donizetti Faccion, irmão (15 anos)
→ Talia Roberta Faccion, irmã caçula (3 anos)
→ Luiz Henrique Faccion, irmão (7 anos, na época do crime)
→ Laira Fernanda Faccion Rodrigues, filha de Elaine - sobrinha (3 anos, na época do crime)

Dados processuais:

Carlos Fabiano Faccion e Edna Emília Milani foram submetidos a dois julgamentos, acusados de 8 crimes: 5 (cinco) homicídios quadruplamente qualificados, 1 (um) aborto e 2 (duas) tentativas de homicídio.

O primeiro julgamento de Edna e de Carlos ocorreu, respectivamente, em maio de 2006 e março de 2007. Edna foi condenada à 132 anos, dez meses e 8 dias em regime fechado enquanto Carlos foi condenado à 140 anos, 1 mês e 8 dias – teve sua pena maior pelo vínculo familiar que possuía com as vítimas.

A defesa, em ambos os casos, recorreu utilizando o Protesto por Novo Júri, já que a pena pelo homicídio de Talia resultou em mais de 20 anos de prisão – exatamente 22 anos e 3 meses para Edna, e 24 anos para Carlos. As demais condenações foram mantidas.

O segundo julgamento de Carlos foi em outubro de 2007 e resultou na condenação à 138 anos, 1 mês e 8 dias.

O segundo julgamento de Edna ocorreu em novembro de 2007 e também reduzida em 2 anos e 3 meses, fixou-se em 130 anos.

Não constam tantas informações quanto aos julgamentos, porém, a juíza que presidiu o segundo julgamento de Edna, Dra. Adriana Gatto Martins, a redução foi resultado de uma somatória pelas quatro qualificações ter sido feita com outro método. A juíza manteve a pena-base de 12 anos, pelo assassinato de Talia, e adicionou 2/3, enquanto a juíza do julgamento anterior utilizou a somatória capitalizada.

O (na época) menor Estrela foi encaminhado à FEBEM, onde cumpriu menos de 3 anos e foi solto.


Fonte: publicações na mídia e site do Tribunal de Justiça de São Paulo.


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