sexta-feira, 27 de setembro de 2013

“OS ONZE DE ACARI” - Magé/RJ (1990) - 22ª edição


Este caso ficou conhecido como “Chacina de Acari” pelo fato de todos os desaparecidos serem moradores da favela de Acari, no Rio de Janeiro. No entanto, os fatos emblemáticos que ganharam notoriedade na mídia nacional e mundial ocorreram no município de Magé, na Baixada Fluminense.

Os fatos aqui narrados foram retirados das mais variadas fontes na internet, todas mencionadas ao final do texto.


OS FATOS

No dia 26 de julho de 1990, um grupo de 11 (onze) pessoas viajou para um sítio na Estrada Fim da Picada, 1.011, distrito de Suruí, em Magé, onde, posteriormente, foram sequestrados e continuam desaparecidos até hoje... esta notícia foi veiculada pelo Jornal O Povo no dia 25/01/1993... NADA mudou...

Segundo informações, encontravam-se no sítio de Suruí naquele dia, além das 11 (onze) pessoas, a proprietária do sítio, Laudicena do Nascimento, com 71 anos, e seu neto de 12 anos (idades à época do fato), únicos sobreviventes que, no momento da invasão à casa em Suruí, fugiram pelo mato.



No depoimento de Laudicena, sua casa foi invadida por volta da meia-noite, por policiais encapuzados que lá permaneceram por cerca de uma hora, destruíram móveis à procura de dinheiro e joias, sempre ameaçando a todos com suas armas. Após supostamente negociarem a libertação de todos por meio de um pagamento, levaram as 11 (onze) pessoas como reféns para um local abandonado, entre estas, seu outro neto, Wallace de Souza Nascimento (19) e seu filho Hédio do Nascimento (41). Obrigados a entrar em uma Kombi de propriedade de Hédio – 3 (três) meninas foram colocadas em um Fiat, nunca mais foram encontrados...

De acordo com Laudicena, Wallace convidara vários amigos que residiam na Favela de Acari para passar uns dias no sítio de sua avó, porém, quando eles lá chegaram, ela e seu filho Hedio disseram para Wallace que não havia lugar para comportar tantas pessoas.

Apesar da queixa ter sido registrada na 69ª DP (Magé), nenhum policial compareceu ao local para fazer o levantamento do crime – iniciava-se todo um procedimento discriminatório em relação ao caso, acredita-se que pelo fato das vítimas serem pobres e, entre eles, haviam 3 (três) rapazes com passagem pela Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (Wallace de Souza Nascimento, 18 anos; Moisés dos Santos, o “Moi”, 26 anos; e Luís Carlos Vasconcelos de Deus, o “Lula”, 32 anos).

Desaparecidos:
1. Rosana Souza Santos, 17 anos – filha de Marilene Lima de Souza (falecida em 15/10/2012 – tumor no cérebro) e namorada de “Lula”;
2. Cristiane Souza Leite, 17 anos – filha de Vera Lúcia Flores Leite (falecida em 10/08/2008) e namorada de “Moi”;
3. Luiz Henrique da Silva Eusébio, 16 anos – filho de Edméia da Silva Eusébio (assassinada no dia 15/01/1993 ao sair de um presídio no Centro do RJ, onde buscava informações sobre o caso);
4. Hudson de Oliveira Silva, 16 anos – filho de Euzilar Joana Silva Oliveira;
5. Edson Souza Costa, 16 anos – filho de Teresa de Souza Costa;
6. Antônio Carlos da Silva, 17 anos – filho de Ana Maria da Silva;
7. Viviane Rocha da Silva, 13 anos – filha de Márcia da Silva;
8. Wallace Oliveira do Nascimento, 17 anos – filho de Maria das Graças do Nascimento;
9. Hédio Oliveira do Nascimento, 30 anos – filho de Laudicena Oliveira do Nascimento (falecida);
10. Moisés Santos Cruz, 26 anos – filho de Ednéia Santos Cruz;
11. Luiz Carlos Vasconcelos de Deus, 32 anos – filho de Denise Vasconcelos.
(Encontramos as informações corretas sobre os parentescos no Doutorado em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, de autoria de Rita de Cássia Santos Freitas – link: http://teses.ufrj.br/ess_d/ritadecassiasantosfreitas.pdf).



FATOS QUE ANTECEDERAM O DESAPARECIMENTO

Segundo testemunhas, no dia 14 de julho de 1990, policiais fardados do 9º BPM invadiram a casa de Edméia, mãe de um dos desaparecidos no dia 26 de julho, prenderam Moisés, Viviane e Edson (também sequestrados no dia 26) exigindo o pagamento de CR$ 5 milhões e, que se a quantia não fosse paga, matariam todos. Mais tarde, reduziram o valor para CR$ 2 milhões, sendo pagos CR$ 1 milhão e 800 mil por Luís Carlos Vasconcelos (também desaparecido em 26/07). Alguns acreditavam que, por não terem completado o pagamento, armaram esse “passeio” para Magé.


CAVALOS CORREDORES

A reportagem do Jornal O Dia (12/09/1993) noticiava que foram reconhecidos por fotos como autores desta invasão e extorsão os soldados Carlos Alberto de Souza Gomes, Eduardo José Rocha Creazola, o “Rambo”, Evaldo Barbosa do Nascimento, Paulo Roberto Borges da Silva e Wilton Elias da Cunha, todos do 9º BPM – 3 (três) destes suspeitos de participação na Chacina de Vigário Geral, em 29 de agosto de 1993. Segundo um relatório, todos estes faziam parte de um grupo de extermínio denominado “Cavalos Corredores”, supostamente liderado pelo, então, comandante do 9º BPM, Coronel Emir Larangeira, especialmente criado para o combate ao tráfico de drogas.

O grupo denominava-se “Cavalos Corredores” por sua entrada na favela fazendo barulho como se fosse uma tropa, espalhando terror pelas vielas, invadindo casas, extorquindo e agredindo pessoas. Uma reportagem do Jornal O Dia divulgou trechos de um documento do Serviço de Homicídio da Baixada Fluminense acusando o coronel Emir Larangeira de chefiar o referido grupo e de se proteger atrás da imunidade parlamentar. Algumas testemunhas, na época, acusaram vários policiais de extorquir moradores e violentar meninas, além de crimes de morte, bem como, denúncias de desvio de armas apreendidas do tráfico para serem utilizadas por grupos de extermínio formados por policiais militares.

Segundo Emir Larangeira, em entrevista publicada pelo jornal O Povo, só existe uma explicação para o crime: teria sido praticado por uma quadrilha rival, pois, na véspera do fato, um rapaz chamado “Jacaré”, que estava junto com o grupo, com a desculpa de que estava com saudades do filho, resolveu ir embora do sítio. “Jacaré” estaria se unindo a uma nova quadrilha, em Parada de Lucas e, na verdade, dera as coordenadas para que seus novos parceiros executassem o crime.

Para Emir, o caso tinha virado uma bandeira política do PT pois, todos que estavam investigando – o delegado Hélio Luz e o secretário do CEAP (Centro de Articulação das Populações Marginalizadas) Ivanir dos Santos, eram vinculados ao PT. Também associava as mães das vítimas aos traficantes de drogas de Acari, pois, quando chegou à delegacia no dia do reconhecimento dos policiais percebeu que 1) todos participaram da prisão de vários marginais de Acari, e 2) o advogado das “Mães de Acari”, Salvador Menezes Couto, era conhecido como “defensor dos bandidos da favela”. Entendeu tratar-se de uma cilada, uma vingança dos traficantes.

Muitas das denúncias foram feitas por militares de alta patente, como um sucessor de Larangeira no 9º BPM, Coronel César Pinto, que observou os vícios existentes entre os policiais militares que, segundo suas declarações, “faziam o que bem entendiam”. Verificou que 10% da tropa estavam acostumados a ganhar dinheiro participando de “mineiras” (extorsões contra traficantes, ladrões e outros marginais); classificou o 9º BPM como “um batalhão de bandidos” e que TUDO era feito com a anuência do comandante (reportagem de 1993).

Um informante do 9º BPM e também da DRFC, Carlos Roberto Freire, em depoimento aos investigadores da 2ª Seção do Estado Maior da PMERJ, disse ter levado 5 (cinco) dos sequestradores a Magé, em uma cilada armada a pedido dos soldados do 9º BPM – Carlos desapareceu após prestar depoimento, porém, foi localizado preso em outro Estado. Os investigadores descobriram, ainda, a criação dos “Cavalos Corredores”, grupo de extermínio do 9º BPM formado por alguns policiais.

Atualmente reformado, Emir Larangeira foi ABSOLVIDO desta acusação, cujas sentenças disponibiliza em seu site na internet – link: http://www.emirlarangeira.com.br/reu.htm).

Grande parte das informações acima expostas encontram-se no trabalho de Mestrado em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, de Fábio Alves Araújo (link disponível: http://www.desaparecidos.org/brazil/voces/araujo.pdf).


BUSCA IMPLACÁVEL

Em março de 1993, reportagem do Jornal O Dia noticiava o conteúdo de uma carta enviada à sua redação, ao vice-governador Nilo Batista e ao chefe da Polícia Militar, Coronel Walmir Brum, por um comerciante de Caxias. Com a ajuda de um mapa, dizia que os corpos estavam na Curva da Morte, na Estrada Velha de Petrópolis, perto de Pau Grande, distrito de Magé, a 12 km de uma área escavada anteriormente.

Em reportagem de 21/09/1993, outra testemunha disse que os corpos de alguns dos sequestrados foram levados para a Ilha de Itaoca, em São Gonçalo.

Em 1994, as mães de Acari receberam uma denúncia de que seus filhos tinham sido jogados aos leões do sítio do ex-policial civil, João da Silva Bistene, o “Peninha” e, em 2005, coincidentemente, receberam a mesma denúncia.


Realizadas buscas no local ainda em 1994 (Peninha fora assassinado em 1991 pelo soldado PM Filomeno Ferreira Mendes, na Ilha do Governador), localizado na Rua Isaac Bistene, 209, Praia de Mauá, foram encontrados 5 (cinco) leões, sendo que apenas 2 (dois) sobreviveram (encontravam-se em péssimas condições de saúde; estavam há uma semana sem água e comida, isolados em jaulas individuais). Uma veterinária esteve no local e disse que os leões não comeriam gente e ponto final!

Em outubro de 1995 os jornais noticiavam que um ex-PM, identificado apenas como “C”, apontou o Rio Inhomirim como o local onde os corpos foram abandonados pelo policiais, liderado pelo ex-detetive João da Silva Bistene, o “Peninha” – considerado o xerife da área, relatando que os policiais pegaram as pessoas no sítio, levaram as armas e o dinheiro e, depois, estupraram as meninas e cortaram os traficantes, jogando-os posteriormente no rio. Apesar disso, os policiais acreditavam que o local da desova era o Cemitério de Bongaba, em Piabetá, Magé, local onde foi encontrada a Kombi do filho de Laudicena.

A única pista do desaparecimento que os policiais tinham era a Kombi KK 5526, com a parte traseira queimada e manchas de sangue no seu interior, encontrada próximo ao cemitério de Bongaba em Piabetá. A perícia, no entanto, fora inconclusiva, pois, constava que a kombi era utilizada para o trabalho de Hédio, que vendia carne de porco, o que poderia justificar a quantidade e sangue encontrado no veículo.


Em março de 1999, mais uma vez, denúncias reafirmaram que os corpos estariam no cemitério clandestino de Mongaba, exatamente onde tinha sido encontrada a kombi do filho de Laudicena. As mães Vera e Marilene repassaram a denúncia a uma promotora de Magé que, a princípio, queria um geólogo para detectar as ossadas; este cobrou R$ 3.800 para realizar o trabalho – dinheiro que nem o MP e nem as mães tinham –, o que foi conseguido rapidamente com o Ministro da Justiça, na época, Renan Calheiros.

No entanto, a promotora, sem qualquer motivo aparente, se recusou a utilizar os serviços do geólogo e utilizou um equipamento de uma universidade – uma máquina escavadeira – 45 dias depois em um dia de chuva, o que, segundo o geólogo destruiria os ossos que ali estivessem, pois, devido ao tempo em que estariam enterrados no local, estariam muito frágeis, devendo ser manuseados delicadamente e com pincéis. Perguntada ao RJ TV o por quê de sua conduta, a promotora simplesmente respondeu que chamou as pessoas que ela achava interessadas... Vera, uma das mães perguntou indignada: “Nós não somos interessadas?”


ASSASSINATO DE EDMÉIA

Edmeia da Silva Euzébio, 48 anos, era moradora da favela de Acari, ex-presidiária, ex-mulher de traficante, que se envolveu em delitos no passado, levara um tiro na perna e teve 2 (dois) filhos: Rosângela e Luiz Henrique Euzébio da Silva, o “Gunga”. Em 1990, Gunga, com 18 anos, estava prestes a servir o Exército. Às vésperas da convocação, arrumou as malas e viajou para o sítio com os amigos e nunca mais voltou.

Obcecada por encontrar seu filho, Edméia foi assassinada às 16h, com dois tiros na cabeça, ao sair do Complexo Penitenciário Frei Caneca, no Centro do RJ, após visitar Jorge da Silva, seu filho de consideração, na tarde do dia 15 de janeiro de 1993, mesmo ano em que aconteceram as chacinas da Candelária (julho) e de Vigário Geral (agosto). Testemunhas disseram que dois ocupantes de uma Parati vermelha com placa fria chamou Edméia e disparou.

Edméia foi morta na rua Júlio do Carmo, próximo à estação Praça Onze do metrô, enquanto Sheila da Conceição, de 25 anos, foi assassinada na esquina das ruas Carmo Neto e Afonso Cavalcante por ter assistido a execução.

Segundo as outras mães de Acari, ela comentara em seu depoimento na 10ª Vara Criminal do RJ, 10 (dez) dias antes, que estaria recebendo ameaças e acusava Ubiratan da Cunha (preso na Esmeraldino Bandeira nesta época), Alberto Lacombe e Rubens “Jacaré” de terem participação na chacina de Acari, ajudando policiais civis e militares.

Em 2011 foram denunciados pelo assassinato de Edméia e Sheila (processo n. 0077862-16.1998.8.19.0001):
Emir Larangeira
Eduardo José Rocha Creazola, o “Rambo”
Arlindo Maginário Filho
Adilson Saraiva Hora, o “Tula”
Irapuã Ferreira
Pedro Flávio Costa
Washington Luiz Ferreira dos Santos
Luiz Cláudio de Souza, o “Mamãe” ou “Badi”.

A denúncia foi recebida em 11/07/2011 e em 10/04/2012, incursos os denunciados no artigo 121, §2º, incisos I, IV e V, na forma do artigo 29, ambos do Código Penal (2 vezes). Após dois adiamentos da Audiência de Instrução e Julgamento, foi realizada uma no dia 31 de julho de 2012, sem qualquer sentença, sendo designado o dia 08/10/2012 para sua continuação, novamente redesignada para 26/11/2012. Nesta última, foi ponto facultativo, sendo redesignada a audiência para 05/12/2012, quando foi realizada e determinada a retirada dos endereços das testemunhas do caso. Nova audiência designada para o dia 25/03/2013 e, novamente, para 08/05/2013 e DE NOVO para agora, dia 31/07/2013.

Em 02/10/2012 foi desmembrado o processo em relação a Washington Luiz Ferreira dos Santos (processo n. 0342377-76.1998.8.19.0001).

Emir interpôs recurso ao STJ objetivando o trancamento da ação penal por ausência de justa causa e divergências nos depoimentos que embasam a acusação. No entanto, a liminar foi indeferida (RHC n. 34.921/RJ – Quinta Turma do STJ).

Observação: embora o tempo do crime tenha sido janeiro de 1993, o recebimento da denúncia é causa interruptiva da prescrição (art. 117, I do CP), portanto, considerando o marco o ano de 2011 ou 2012, ainda temos até 2032. Interessante os autos datarem de 1998 e a denúncia ter sido recebida APENAS 13 anos depois...

Edméia teria conseguido informações sobre a localização dos corpos dos desaparecidos em Acari. Os denunciados eram integrantes do “Cavalos Corredores” e estavam envolvidos com extorsões e outros crimes. Segundo Sueli Vieira, que trabalhava com o parlamentar e foi localizada pelo coronel PM Walmir Brum, a reunião para matar Edméia teria ocorrido no gabinete do então deputado estadual Emir Larangeira, na ALERJ – fatos noticiados pela mídia.


ARQUIVO MORTO

Em 2011, o Estado expediu a certidão de morte presumida de uma das vítimas, Viviane Rocha da Silva.

Em 25 de julho de 2010 ocorreu a prescrição desse emblemático episódio trágico do noticiário nacional: pessoas desaparecidas, corpos não encontrados, famílias destruídas, incerteza, angústia, assassinatos misteriosos, informações desencontradas, desinteresse, osquestração política, corporativismo, um sem número de substantivos, adjetivos e sentimentos, como impotência, humilhação, desprezo, negligência e esquecimento por parte das autoridades.

Ao longo dos vários anos, o que essas mães ouviram das autoridades foi “não tem corpo, não tem crime”...

Fonte: Desaparecidos.org – Do Luto à Luta 
Teses UFRJ – Mães de Acari 
Rede contra a violência.org
Jornal do Brasil
Humanitas Direitos Humanos e Cidadania
O Globo e Folha de São Paulo



domingo, 22 de setembro de 2013

CRIANÇAS ESQUARTEJADAS PELO PAI E MADRASTA - Ribeirão Pires/SP (2008) - 20ª edição


Quatro de setembro de 2008, quinta-feira. Igor Giovani Santos Rodrigues (12 anos) e João Victor dos Santos Rodrigues (13 anos) são reconduzidos pela Conselheira Tutelar, Edna Aparecida Ribeiro Amante, à casa onde moravam com seu pai e madrasta após terem sido encontrados pelo guarda civil, José Messias Santos, perambulando pela rua na noite anterior.

Os irmãos Igor Giovanni e João Victor

Segundo relato das próprias crianças para o guarda-civil que os encontrou, foram expulsas de casa, na quarta-feira (03/09/2008), pelo próprio pai e que a madrasta, a dona-de-casa Eliane Aparecida dos Santos (36 anos na época), teria dado dinheiro para que eles fossem até a mãe, mas que não tinham o endereço dela. Estavam, portanto, em busca da mãe biológica.

Desde 2005 havia registros na polícia e no Conselho Tutelar que a denunciavam, bem como ao pai das crianças, o vigia João Alexandre Rodrigues (42 anos na época), por negligência e maus-tratos. Ambos rejeitavam as crianças.

Os meninos se divertindo

No ano de 2005, Eliane foi condenada por maus-tratos após uma tia paterna das crianças ter denunciado o casal por abandono. Dois anos depois foi registrado uma nova ocorrência sobre desaparecimento e localização das crianças. Então, entre 2007 a maio de 2008 as crianças permaneceram no Abrigo Novo Rumo, em Ribeirão Pires/SP. Segundo a psicóloga do abrigo, Veronika Ferber Topio, João Victor e Igor Giovanni “manipulavam a realidade” e, com base nesse relatório, influenciou a decisão do juizado em encaminhar os menores de volta para a casa de seus algozes.

A mãe biológica das crianças, Claudia Lopes dos Santos, tinha 2 filhos de um casamento anterior e 2 filhos da relação atual, tendo deixado os 2 meninos com o ex, pai das crianças, por falta de condições financeiras. Segundo ela, a separação ocorreu porque João Alexandre maltratava e batia muito em sua filha mais velha.





A madrasta Eliane

                    O pai João Alexandre


O CRIME

Na quinta-feira (04/09/2008), foram levados para casa pela conselheira tutelar e o guarda-civil, cumprindo ordem do Juizado de Menores que, embora soubessem das várias passagens dos garotos pelo Conselho Tutelar por maus-tratos e abandono – pois, fugiam constantemente por causa das agressões sofridas – ignoraram completamente esse histórico existente contra o pai e a madrasta.

Segundo Eliane, a madrasta, o pai teria se irritado com o retorno das crianças. No dia 05 de setembro, sexta-feira, por volta das 16h, os meninos assistiam TV na sala e o pai chamou João Victor para uma conversa na cozinha. Ela disse que estava no quarto com Igor e ouviu uns “barulhos estranhos” mas não ouviu gritos ou pedidos de socorro. Depois, o pai chamou Igor e, passados alguns minutos, ela foi à cozinha e viu os garotos caídos no chão com sacos plásticos na cabeça. Então, o marido levou os dois para os fundos da casa, colocou um corpo ao lado do outro, cobriu com um lençol, jogou querosene e ateou fogo. Depois de um tempo, ela jogou água, mas ele já estavam bem carbonizados e, então, procederam ao esquartejamento com a foice.

Ao terminar, o pai tomou banho e foi trabalhar, deixando a cargo da madrasta a tarefa de colocar tudo em sacos de lixo e dar “um fim”. Ela colocou 2 dos sacos em diferentes pontos do bairro e os 3 restantes na calçada em frente à própria casa. Às 22h ele ligou para perguntar se tudo estava certo e, em seguida, ela ligou para a irmã do marido dizendo que as crianças estavam desaparecidas.

Na reconstituição do crime, o pai confessou que João Victor foi asfixiado, mas Igor foi morto à facadas no quarto por Eliane... depois, procedeu com a carbonização dos corpos e esquartejamento. A polícia acreditava que ambos tinham sido mortos por asfixia porque ambos apresentavam vestígios de sacos plásticos na cabeça, mas João disse que isso foi porque, antes de carbonizá-los, colocou sacos plásticos em suas cabeças e cobriu com lençol para, depois, jogar querosene e queimá-los.

Sacos em que foram encontrados parte
dos corpos dos meninos 

Os corpos das crianças foram realmente colocados em 5 sacos de lixo distribuídos em frente à casa da família e em outros pontos do bairro, em Ribeirão Pires, SP, como relatado por Eliane. Lixeiros encontraram os pedaços de corpos após a coleta, por volta da 0h15min e acionaram a polícia. Nas buscas realizadas na caçamba do caminhão, encontraram outras partes parcialmente carbonizadas, misturadas a outros objetos.

Por volta das 2h do dia 6 de setembro, a polícia civil e a guarda civil foram à casa das possíveis vítimas, perceberam uma das portas abertas e perguntaram a uma mulher que lá estava – a madrasta – sobre onde estavam as crianças; ela respondeu que, naquele dia, elas não tinham voltado do colégio.

Nos cômodos da casa, os policiais encontraram manchas de sangue e de queimado, bem como restos mortais carbonizados no quintal da residência, vísceras das crianças na fossa que fica atrás da casa, além de um forte cheiro de água sanitária. João Alexandre foi preso no dia 6 de setembro no seu local de trabalho e negou tudo, colocando a culpa em Eliane.

Uma vizinha afirmou ter visto uma fumaça saindo dos fundos da casa na madrugada do crime, mas não desconfiou do que poderia ter acontecido... não viram nem ouviram nada diferente neste dia. Outros vizinhos afirmaram que os garotos eram calados e não costumavam brincar na rua, que quando não estavam na escola, estavam trancados em casa, sempre quietos e calados.

Uma cabeleireira que atendia a madrasta das crianças disse que, certa vez, Eliane comentou que estava com problemas no Conselho Tutelar por causa dos meninos e que eles eram “levados”. Disse que a madrasta chegou a comentar que os meninos tinham fugido de casa no dia 03 e levados de volta pra casa no dia 04 pela guarda-civil, que os encontraram na rua. Quando perguntou aos garotos porque eles tinham fugido, eles ficaram calados, de cabeça baixa.

Entre os objetos do crime foram encontrados uma foice, uma pá e as roupas supostamente usadas pelas crianças na noite do crime – uma bermuda, uma jaqueta jeans e duas blusas de moletom encontradas dentro da máquina de lavar, que tinham um forte cheiro de querosene. Também foi apreendido um volante de automóvel – a polícia investiga se este foi usado para agredir os meninos antes de serem mortos.

Instrumentos do crime

Uma coisa é certa: a tragédia era anunciada... era apenas uma questão de tempo...


DADOS PROCESSUAIS

Em 17/04/2009 foi proferida sentença de pronúncia em face de Eliane e João Alexandre:

Sentença Proferida
Pronúncia - Ante o exposto, com fundamento no artigo 413, do Código de Processo Penal, PRONUNCIO ELIANE APARECIDA ANTUNES RODRIGUES, RG 50.707.895-SP, qualificada nos autos, como incursa no art. 121, §2º, incisos I, III, IV, V, observado o § 4º (parte final) do mesmo artigo, por duas vezes, art. 211, por duas vezes, art. 248, por duas vezes, e art. 347, parágrafo único, todos do Código Penal e JOÃO ALEXANDRE RODRIGUES, RG 18.119.202-SP, qualificado nos autos, como incurso no art. 121, §2º, incisos I, III, IV, V, observado o § 4º (parte final) do mesmo artigo, por duas vezes, art. 211, por duas vezes, e art. 347, parágrafo único, todos do Código Penal. Encontram-se os réus presos por força de prisão temporária e posterior prisão preventiva. Assim, não teria sentido que, após a pronúncia, viessem a ser soltos, sobretudo quando subsistem os motivos da custódia cautelar, diante dos traços de periculosidade evidenciados pelas circunstâncias indiciárias das práticas delitivas, como acima apontadas, com imputação de duplo homicídio, de natureza hedionda, com quatro qualificadoras, bem como pela imputação de fraude processual, pela condenação anterior, embora, ao que consta, sem o seu trânsito em julgado. Isso, somado aos fundamentos da decisão que decretara a prisão preventiva às fls. 429/430 e o mais que dos autos conta, bem como pela repercussão social, envolvendo aqui a própria credibilidade da Justiça, evidencia-se a necessidade da custódia cautelar, preventiva, dos acusados, para garantia da ordem pública, da conveniência processual e garantia de aplicação da lei penal. Assim, recomendem-se os acusados na prisão, expedindo-se os competentes mandados para tanto. À luz do inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal, que consagra o princípio da presunção de inocência, o nome do acusado não poderá ser lançado no rol dos culpados senão depois do trânsito em julgado da sentença condenatória.
P.R.I.C. Ribeirão Pires, 17 de abril de 2009.
Sidnei Vieira da Silva Juiz de Direito

Denegaram seu recurso em sentido estrito:

Por V. Acórdão datado de 29/04/2010, da 8ª Câmara de Direito Criminal do TJ, por votação unânime, negaram provimento aos recursos em Sentido Estrito, restando mantida a r. decisão monocrática que determinou o julgamento dos réus pelo Tribunal do Júri por duplo homicídio quadruplamente qualificado na forma consumada (art. 121, §2º, incisos I, III, IV e V do CP, observado o §4º, parte final, no mesmo artigo), em conexão com os delitos de destruição e ocultação de cadáveres, por duas vezes, e fraude processual (art. 211 do CP e art. 347, § único, do mesmo diploma legal) e, ainda, pelo delito de induzimento à fuga de incapazes (art. 248 do CP), por duas vezes, este último somente com relação à co-ré Eliane Aparecida Antunes Rodrigues, tal como se deu na r. sentença de pronúncia., ficando aberto o prazo para interposição de eventuais embargos ou recursos

No tribunal, o promotor Abner Castorino apresentou uma carta escrita por um dos garotos e emocionou o júri composto por 7 mulheres: “Queria ter uma vida tranquila. Queria ter uma mãe. Queria ver meu avô. Queria ser policial. Queria amar os outros e não ter inveja. Queria ter Deus no coração. Queria ter uma bicicleta”. Disse ainda que, apesar do que sofriam, as crianças eram carinhosas: “Um deles tinha o apelido de 'Risonho'... buscavam a mãe biológica e tentavam uma aproximação com o pai”. O promotor afirmou que as crianças relataram à diretora do colégio onde estudavam que “não confiavam em adultos”.


João Alexandre Rodrigues foi condenado a 67 anos e 1 mês de prisão; Eliane foi condenada a 59 anos e 6 meses.

Ouçam parte do áudio da sentença, em reportagem feita pela Folha de Ribeirão Pires:


Fonte: G1 Globo – Folha de São Paulo
Site Terra – Folha Ribeirão Pires – Estadão
Diário do Grande ABC
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo


segunda-feira, 16 de setembro de 2013

JOVENS ENTREGUES À TRAFICANTES POR MILITARES DO EXÉRCITO - Morro da Providência, Rio de Janeiro/RJ (2008) - 19ª edição


Na época, o Exército ocupava o local com a finalidade de realizar a segurança do pessoal, material e equipamentos empregados nas obras do Projeto Cimento Social, no Morro da Providência, idealizado pelo Senador Marcelo Crivela.

Dia 14 de junho de 2008, sábado. Marcos Paulo da Silva (17 anos), Wellington Gonzaga Costa (19 anos) e David Wilson Florença da Silva (24 anos), moradores do Morro da Providência, na zona portuária do Rio, foram abordados por militares do Exército às 7h30min quando retornavam de táxi de um baile funk.


Segundo depoimentos dos militares envolvidos, eles abordaram os jovens porque perceberam que um deles estava com algo debaixo da camisa e preso na cintura... acharam que fosse uma arma. Houve confusão durante a revista e, portanto, conduziram os jovens para a Delegacia Judiciária Militar, na região do Santo Cristo, para autuá-los por desacato, porém, o capitão responsável pelo local, Leandro Ferrari, ordenou que eles fossem liberados após serem ouvidos.

Testemunhas afirmam que os jovens ficaram em poder dos militares até as 11h30min e, depois, em vez de cumprir a ordem de seu superior, os entregaram a traficantes de uma facção rival à do Morro da Providência, no Morro da Mineira. Foram torturados por mais de seis horas e, segundo testemunhas, executados por volta das 18h do sábado. Seus corpos foram jogados no aterro sanitário de Gramacho, Duque de Caxias.

De acordo com o laudo do IML, Wellington teve as mãos amarradas e o corpo perfurado com vários tiros; David teve um dos braços quase decepado e também foi baleado; e Marcos morreu com um tiro no peito e foi arrastado pela favela com as pernas amarradas. Os corpos foram encontrados no lixão de Gramacho, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.



A REVOLTA DA POPULAÇÃO
(notícia veiculada pela A Nova Democracia.com)

Antes mesmo de ser confirmada a morte dos três jovens, mais de 200 moradores do morro da Providência foram até o Largo de Santo Cristo, onde realizaram um protesto que parou a cidade. Um ônibus foi queimado e outros nove apedrejados. O exército reagiu com bombas, mas a massa respondeu com pedras e garrafas.

Quando retornaram pela noite, moradores foram ao alto do morro e retiraram a bandeira do Brasil do mastro — que simbolizava o domínio do Exército — e hostilizaram as tropas que permaneciam na Providência. No Farias — área onde os rapazes foram sequestrados — soldados tiveram que fugir correndo, quando mais de 100 pessoas, aos gritos de "Assassinos! Assassinos!" partiram para cima da tropa.

No dia seguinte, mais protestos. Cerca de 300 moradores e parentes dos jovens foram até a porta do quartel no Largo de Santo Cristo para pedir justiça. Novo confronto.

Na segunda-feira, dia do enterro dos rapazes, mais de mil pessoas foram ao cemitério prestar solidariedade às famílias e o que se viu foi a indignação de toda a comunidade contra o Exército e o candidato a prefeito e bispo da Igreja Universal do Reino de Deus Marcelo Crivella, autor do projeto eleitoreiro que levou tropas do Exército para a Providência. No velório, não faltaram denúncias sobre a presença dos soldados na comunidade.

Outro dia eu estava em casa vendo televisão e escutei um barulho no portão. Quando olhei pela varanda tinha um militar. Vi pela patente que era um sargento. Eu sei por que eu já servi quartel. Ele estava jogando o pó [cocaína] em cima da carteira para cheirar. Quando eu bati no portão pra que ele saísse, ainda escutei um desaforo — conta um morador indignado.

Logo após o velório, os moradores seguiram em quase dez ônibus para a porta do Comando Militar do Leste para um novo protesto. Mais uma vez a tropa de choque do Exército respondeu com bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo e a massa respondeu, atacando o prédio do Comando Militar do Leste com paus e pedras.

Entre as frases preferidas de Vinícius Ghidetti, este diz detestar o “uso de drogas e as piranhas que se fazem de santinhas”, e parece ter levado a sério o demasiado rigor com que a AMAN forma seus militares, como demonstra uma das frases impressas nas camisas vendidas na instituição: “Só stress. Não há limites para a maldade”.



                            À direita, 
                           Tenente Vinícius Guidetti







DADOS PROCESSUAIS

Na decisão de pronúncia dos acusados: relato do fato, descrição dos laudos cadavéricos dos 3 jovens, trecho do depoimento de Vinícius Ghidetti – link: http://sdrv.ms/183GIxb.

Foram denunciados, em 27 de junho de 2008, como incursos nas penas do artigo 121, §2º, incisos I, III e IV, por 3 vezes, na forma dos artigos 29 e 69, todos do Código Penal:
→ Leandro Maia Bueno
→ Vinícius Ghidetti de Moraes Andrade
→ José Ricardo Rodrigues de Araújo
→ Bruno Eduardo de Fátima
→ Renato de Oliveira Alves
→ Julio Almeida Ré
→ Rafael Cunha da Costa Sá
→ Sidney de Oliveira Barros
→ Fabiano Eloi dos Santos
→ Samuel de Souza Oliveira
→ Eduardo Pereira de Oliveira

Segundo os procuradores, fundamentados no diálogo entre o tenente Ghidetti e os jovens, a caminho do morro da Mineira, em uma parada no Sambódromo, reproduzido nos depoimentos dos militares, o tenente foi à caçamba do caminhão e perguntou aos jovens se estavam arrependidos, tendo como resposta de um deles “Não. Tô gostando”.

Então, o oficial anunciou que eles seriam entregues aos traficantes e admitiu que poderiam morrer. Como nenhum dos demais militares fez nada para evitar a consumação do fato, eles responderão por omissão. Na denúncia, o sargento Maia será apontado como responsável pela negociação com os traficantes, o soldado Rodrigues como quem levou o grupo até o Morro da Mineira e seu colega, Fabiano, será responsabilizado por ter evitado que um do jovens fugisse – disseram os Procuradores na época.

O tenente Ghidetti teria dito ainda, segundo testemunhas, que os jovens seriam um “presentinho” para os traficantes da Mineira, mas, no depoimento e em juízo, negou e afirmou apenas que desejava dar um “susto” nos rapazes. No entanto, o juiz declarou que o tenente viu os rapazes apanhando de seis traficantes e nada fez para impedir.

O oficial chegou a chorar quando disse que era casado há seis meses e tinha um filho de 2 meses, na época do fato. Tentou convencer o juiz de que desejava apenas dar um “corretivo” nos rapazes e de que não pretendia entrega-los à traficantes: "Houve um encontro fortuito, tanto que ficamos assustados. Por isso, o sargento Maia foi até eles explicar que não era uma operação. E que só queríamos dar um susto nos três, que tinham nos desacatado”.

O sargento foi o segundo a depor e se contradisse várias vezes, sendo advertido pelo juiz: "Não caí de para-quedas nessa cadeira. Não fui criado em apartamento do Leblon. Não soltei pipa em ventilador nem joguei bola de gude em carpete. Sou da zona norte. Portanto, quero coerência", disse o juiz Granado. Maia negou que tivesse avisado os traficantes de que estavam ali para dar um corretivo nos jovens. Confrontado pelo juiz com o depoimento do tenente, voltou atrás, mas insistiu que o fato de ter dito aos traficantes que estavam ali para dar um corretivo foi "mera coincidência" com o que pensava o tenente. Ele não teria recebido instrução do superior.



Tiveram suas prisões preventivas REVOGADAS e, posteriormente, foram IMPRONUNCIADOS:
→ Em 07/07/2008: Eduardo Pereira de Oliveira, Bruno Eduardo de Fátima e Samuel de Souza Oliveira;

→ Em 12/11/2008: Renato de Oliveira Alves e José Ricardo Rodrigues de Araújo – link com trechos de seus depoimentos que culminaram na revogação: http://sdrv.ms/14EurxQ.

→ Em 21/11/2008: Sidney de Oliveira Barros, Julio Almeida Ré e Rafael Cunha da Costa Sá – link com trechos de seus depoimentos que culminaram na revogação: http://sdrv.ms/14EuZ6P.

→ Em 03/05/2010: na sentença de pronúncia de Vinícius e Leandro foi revogada a prisão de Fabiano Eloi dos Santos (link mencionado no início dos “dados processuais”).


Pronunciados foram, apenas, o tenente Vinícius Ghidetti e o sargento Leandro Maia Bueno. Ambos tiveram liberdade provisória concedida em 24/08/2011, com suspensão da função pública. O Ministério Público Federal recorreu e, em 30/01/2012, apresentaram-se no Batalhão de Infantaria Motorizada para recolherem-se presos.
A partir daí, Vinícius começou (!) a apresentar perturbação da saúde mental e, na oportunidade do julgamento pelo Tribunal do Júri, em 06/08/2012, o juízo determinou a separação dos julgamentos de Vinícius e Leandro – este último foi ABSOLVIDO (!!!). O outro, submetido a tratamento psiquiátrico.
Cabe recurso.

Vinícius foi internado no Hospital Central do Exército em tratamento psiquiátrico e, submetido a novo laudo, foi diagnosticado com Transtorno Dissociativo, não especificado (F44.9), que se perfaz em perda parcial ou completa entre memórias do passado, consciência de identidade e sensações imediatas e controle dos movimentos corporais, havendo possibilidade de o réu ser submetido a tratamento ambulatorial com acompanhamento de seu curador, e que a tornozeleira eletrônica é compatível com sua atual situação psíquica.

Em 19/12/2012, Vinícius teve sua prisão preventiva convertida em medida cautelar pessoal de:
→ tratamento ambulatorial realizado no HCE;
→ proibição de aproximar-se a menos de 200m do Morro da Providência;
→ proibição de manter qualquer tipo de contato com familiares das vítimas e testemunhas arroladas pela acusação no processo, entre outras medidas – link para a decisão: http://sdrv.ms/14ExAgW.


Esse, até o momento, é o saldo: uma absolvição e o outro – desmembrado seu processo – com o processo suspenso por superveniência de doença mental.


terça-feira, 3 de setembro de 2013

ASSASSINATO DE GALDINO JESUS DOS SANTOS - Brasília/DF (1997) - 18ª edição


Em 19 de abril de 1997, o índio Pataxó Galdino Jesus dos Santos (44 anos) chegara à Brasília para participar de uma série de manifestações pelos direitos dos índios, realizadas em seu dia.

Galdino

No dia seguinte, enquanto dormia em uma parada de ônibus, na Asa Sul, bairro nobre da capital federal, cinco rapazes de classe média atearam fogo em Galdino, que morreu horas depois, vítima de queimaduras em 95% do corpo, que foi encharcado por 1 litro de álcool.

Fugiram após cometerem o crime, mas um chaveiro que passava por ali anotou o número da placa do carro dos assassinos e entregou à polícia.

Dos cinco envolvidos, um deles era menor de idade – G.N.A.J., 16 anos, cursava o supletivo e ajudou a despejar o álcool – e foi encaminhado para o Centro de Reabilitação Juvenil do Distrito Federal, onde ficou por 3 meses, mesmo tendo sido condenado a um ano de reclusão. Os outros quatro foram presos:
Tomás Oliveira de Almeida, tinha 18 anos. Único do grupo a cursar uma faculdade, Administração. Também admitiu ter atirado os fósforos
Max Rogério Alves, tinha 19 anos. Criado por um ex-ministro do TSE, Max trabalhava no escritório de advocacia do padrasto. Admitiu ter dirigido o carro na fuga.
Eron Chaves Oliveira, tinha 19 anos. Primo dos irmãos Tomás e G.N.A.J., admitiu ter despejado o álcool sobre o índio.
→ Antônio Novely Cardoso Vilanova, tinha 19 anos. Filho de um juiz federal, trabalhava como digitador e morava com seu irmão mais velho. Admitiu ter atirado os fósforos em Galdino.



Quando encaminhados à prisão, os criminosos não ficaram 24 horas detidos em cela comum, junto com outros presos: foram transferidos para uma biblioteca desativada, onde tiveram dezenas de regalias, segundo a promotora Maria José Miranda que, tendo acompanhado o processo nos primeiros cinco anos, mas pediu afastamento do caso pouco tempo antes do julgamento por causa desconhecida. Segundo ela, eles tomavam banho quente, tinham cortinas e ficavam com a chave da cela no bolso.

A promotora acrescenta que o processo foi dificultado pela quantidade absurda de recursos e pelas variadas tentativas em desqualificar o crime de homicídio para lesão corporal seguida de morte. O processo tinha tudo para, tecnicamente, ser muito simples, pois, havia provas em abundância.

Em 2001 foram condenados por homicídio doloso a 14 anos de prisão, em regime integralmente fechado – à época ainda não havia direito à progressão de regime, mas agora poderiam pleitear a progressão após cumprimento de 1/6 da pena, visto ter sido o crime cometido ANTES da Lei n. 11.464/2007.

Este julgamento durou 4 dias e 12 horas. Tomás pediu perdão aos familiares de Galdino – pedido obviamente negado pela mãe da vítima, Dona Minervina, e pela viúva, Carmélia – e Max Rogério Alves, enteado do ex-ministro do TSE, Walter Medeiros, disse que o grupo queria “apenas fazer uma brincadeira”.

Um dos depoimentos mais marcantes foi o da médica que atendeu Galdino no Hospital Regional da Asa Norte, Dra. Maria Célia Bispo, que relatou que o índio chegou ao hospital consciente e com 85% da superfície corporal apresentando queimaduras de 3º grau e 10% de queimaduras de 2º grau profundas. As únicas partes do corpo de Galdino não atingidas foram as solas dos pés.


Desta condenação, os réus não recorreram. Este julgamento quase foi anulado, pois, a presidente do Tribunal do Júri, Sandra de Santis, foi a mesma que classificou o crime como lesão corporal seguida de morte, em 1997, chegando a proferir sentença (link: http://sdrv.ms/1607q6h).

O Ministério Público recorreu desta decisão – encontramos um recurso especial ao STJ (link: http://sdrv.ms/1607tyZ), e sua decisão (link: http://sdrv.ms/19QnWgw)

Em 2002, a 1ª Turma Criminal concedeu autorização para que os quatro exercessem funções administrativas em órgãos públicos. Os quatro sairiam do presídio da Papuda para trabalhar e retornar ao final do expediente, e ainda que eles estudassem (link: http://sdrv.ms/12amkVc) mas, como há proibição específica na lei de execuções penais, o Ministério Público recorreu e conseguiu revogar a permissão de estudo para Eron e Tomás (link: http://sdrv.ms/12amig3). Mesmo assim, eles continuaram estudando em universidades locais contrariando a decisão.

Em outubro de 2002, o jornal “Correio Braziliense” flagrou 3 dos cinco rapazes bebendo cerveja em um bar, namorando e dirigindo o próprio carro até o presídio, sem passar por qualquer tipo de revista na volta. Após a denúncia, os assassinos perderam, temporariamente, o direito ao regime semiaberto, que era o que permitia o trabalho e o estudo externos.

Essa reclusão total durou até agosto de 2004, quando os 4 rapazes ganharam o direito ao livramento condicional.


No local onde ocorreu o crime foram colocadas 2 esculturas relativas ao assassinato de Galdino: uma retrata uma pessoa em chamas e a outra representa uma pomba, símbolo da paz. O local passou a ser chamado “Praça do Compromisso”.

Fonte: G1 – Veja online – JusNavigandi – Terra