sexta-feira, 27 de setembro de 2013

“OS ONZE DE ACARI” - Magé/RJ (1990) - 22ª edição


Este caso ficou conhecido como “Chacina de Acari” pelo fato de todos os desaparecidos serem moradores da favela de Acari, no Rio de Janeiro. No entanto, os fatos emblemáticos que ganharam notoriedade na mídia nacional e mundial ocorreram no município de Magé, na Baixada Fluminense.

Os fatos aqui narrados foram retirados das mais variadas fontes na internet, todas mencionadas ao final do texto.


OS FATOS

No dia 26 de julho de 1990, um grupo de 11 (onze) pessoas viajou para um sítio na Estrada Fim da Picada, 1.011, distrito de Suruí, em Magé, onde, posteriormente, foram sequestrados e continuam desaparecidos até hoje... esta notícia foi veiculada pelo Jornal O Povo no dia 25/01/1993... NADA mudou...

Segundo informações, encontravam-se no sítio de Suruí naquele dia, além das 11 (onze) pessoas, a proprietária do sítio, Laudicena do Nascimento, com 71 anos, e seu neto de 12 anos (idades à época do fato), únicos sobreviventes que, no momento da invasão à casa em Suruí, fugiram pelo mato.



No depoimento de Laudicena, sua casa foi invadida por volta da meia-noite, por policiais encapuzados que lá permaneceram por cerca de uma hora, destruíram móveis à procura de dinheiro e joias, sempre ameaçando a todos com suas armas. Após supostamente negociarem a libertação de todos por meio de um pagamento, levaram as 11 (onze) pessoas como reféns para um local abandonado, entre estas, seu outro neto, Wallace de Souza Nascimento (19) e seu filho Hédio do Nascimento (41). Obrigados a entrar em uma Kombi de propriedade de Hédio – 3 (três) meninas foram colocadas em um Fiat, nunca mais foram encontrados...

De acordo com Laudicena, Wallace convidara vários amigos que residiam na Favela de Acari para passar uns dias no sítio de sua avó, porém, quando eles lá chegaram, ela e seu filho Hedio disseram para Wallace que não havia lugar para comportar tantas pessoas.

Apesar da queixa ter sido registrada na 69ª DP (Magé), nenhum policial compareceu ao local para fazer o levantamento do crime – iniciava-se todo um procedimento discriminatório em relação ao caso, acredita-se que pelo fato das vítimas serem pobres e, entre eles, haviam 3 (três) rapazes com passagem pela Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (Wallace de Souza Nascimento, 18 anos; Moisés dos Santos, o “Moi”, 26 anos; e Luís Carlos Vasconcelos de Deus, o “Lula”, 32 anos).

Desaparecidos:
1. Rosana Souza Santos, 17 anos – filha de Marilene Lima de Souza (falecida em 15/10/2012 – tumor no cérebro) e namorada de “Lula”;
2. Cristiane Souza Leite, 17 anos – filha de Vera Lúcia Flores Leite (falecida em 10/08/2008) e namorada de “Moi”;
3. Luiz Henrique da Silva Eusébio, 16 anos – filho de Edméia da Silva Eusébio (assassinada no dia 15/01/1993 ao sair de um presídio no Centro do RJ, onde buscava informações sobre o caso);
4. Hudson de Oliveira Silva, 16 anos – filho de Euzilar Joana Silva Oliveira;
5. Edson Souza Costa, 16 anos – filho de Teresa de Souza Costa;
6. Antônio Carlos da Silva, 17 anos – filho de Ana Maria da Silva;
7. Viviane Rocha da Silva, 13 anos – filha de Márcia da Silva;
8. Wallace Oliveira do Nascimento, 17 anos – filho de Maria das Graças do Nascimento;
9. Hédio Oliveira do Nascimento, 30 anos – filho de Laudicena Oliveira do Nascimento (falecida);
10. Moisés Santos Cruz, 26 anos – filho de Ednéia Santos Cruz;
11. Luiz Carlos Vasconcelos de Deus, 32 anos – filho de Denise Vasconcelos.
(Encontramos as informações corretas sobre os parentescos no Doutorado em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, de autoria de Rita de Cássia Santos Freitas – link: http://teses.ufrj.br/ess_d/ritadecassiasantosfreitas.pdf).



FATOS QUE ANTECEDERAM O DESAPARECIMENTO

Segundo testemunhas, no dia 14 de julho de 1990, policiais fardados do 9º BPM invadiram a casa de Edméia, mãe de um dos desaparecidos no dia 26 de julho, prenderam Moisés, Viviane e Edson (também sequestrados no dia 26) exigindo o pagamento de CR$ 5 milhões e, que se a quantia não fosse paga, matariam todos. Mais tarde, reduziram o valor para CR$ 2 milhões, sendo pagos CR$ 1 milhão e 800 mil por Luís Carlos Vasconcelos (também desaparecido em 26/07). Alguns acreditavam que, por não terem completado o pagamento, armaram esse “passeio” para Magé.


CAVALOS CORREDORES

A reportagem do Jornal O Dia (12/09/1993) noticiava que foram reconhecidos por fotos como autores desta invasão e extorsão os soldados Carlos Alberto de Souza Gomes, Eduardo José Rocha Creazola, o “Rambo”, Evaldo Barbosa do Nascimento, Paulo Roberto Borges da Silva e Wilton Elias da Cunha, todos do 9º BPM – 3 (três) destes suspeitos de participação na Chacina de Vigário Geral, em 29 de agosto de 1993. Segundo um relatório, todos estes faziam parte de um grupo de extermínio denominado “Cavalos Corredores”, supostamente liderado pelo, então, comandante do 9º BPM, Coronel Emir Larangeira, especialmente criado para o combate ao tráfico de drogas.

O grupo denominava-se “Cavalos Corredores” por sua entrada na favela fazendo barulho como se fosse uma tropa, espalhando terror pelas vielas, invadindo casas, extorquindo e agredindo pessoas. Uma reportagem do Jornal O Dia divulgou trechos de um documento do Serviço de Homicídio da Baixada Fluminense acusando o coronel Emir Larangeira de chefiar o referido grupo e de se proteger atrás da imunidade parlamentar. Algumas testemunhas, na época, acusaram vários policiais de extorquir moradores e violentar meninas, além de crimes de morte, bem como, denúncias de desvio de armas apreendidas do tráfico para serem utilizadas por grupos de extermínio formados por policiais militares.

Segundo Emir Larangeira, em entrevista publicada pelo jornal O Povo, só existe uma explicação para o crime: teria sido praticado por uma quadrilha rival, pois, na véspera do fato, um rapaz chamado “Jacaré”, que estava junto com o grupo, com a desculpa de que estava com saudades do filho, resolveu ir embora do sítio. “Jacaré” estaria se unindo a uma nova quadrilha, em Parada de Lucas e, na verdade, dera as coordenadas para que seus novos parceiros executassem o crime.

Para Emir, o caso tinha virado uma bandeira política do PT pois, todos que estavam investigando – o delegado Hélio Luz e o secretário do CEAP (Centro de Articulação das Populações Marginalizadas) Ivanir dos Santos, eram vinculados ao PT. Também associava as mães das vítimas aos traficantes de drogas de Acari, pois, quando chegou à delegacia no dia do reconhecimento dos policiais percebeu que 1) todos participaram da prisão de vários marginais de Acari, e 2) o advogado das “Mães de Acari”, Salvador Menezes Couto, era conhecido como “defensor dos bandidos da favela”. Entendeu tratar-se de uma cilada, uma vingança dos traficantes.

Muitas das denúncias foram feitas por militares de alta patente, como um sucessor de Larangeira no 9º BPM, Coronel César Pinto, que observou os vícios existentes entre os policiais militares que, segundo suas declarações, “faziam o que bem entendiam”. Verificou que 10% da tropa estavam acostumados a ganhar dinheiro participando de “mineiras” (extorsões contra traficantes, ladrões e outros marginais); classificou o 9º BPM como “um batalhão de bandidos” e que TUDO era feito com a anuência do comandante (reportagem de 1993).

Um informante do 9º BPM e também da DRFC, Carlos Roberto Freire, em depoimento aos investigadores da 2ª Seção do Estado Maior da PMERJ, disse ter levado 5 (cinco) dos sequestradores a Magé, em uma cilada armada a pedido dos soldados do 9º BPM – Carlos desapareceu após prestar depoimento, porém, foi localizado preso em outro Estado. Os investigadores descobriram, ainda, a criação dos “Cavalos Corredores”, grupo de extermínio do 9º BPM formado por alguns policiais.

Atualmente reformado, Emir Larangeira foi ABSOLVIDO desta acusação, cujas sentenças disponibiliza em seu site na internet – link: http://www.emirlarangeira.com.br/reu.htm).

Grande parte das informações acima expostas encontram-se no trabalho de Mestrado em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, de Fábio Alves Araújo (link disponível: http://www.desaparecidos.org/brazil/voces/araujo.pdf).


BUSCA IMPLACÁVEL

Em março de 1993, reportagem do Jornal O Dia noticiava o conteúdo de uma carta enviada à sua redação, ao vice-governador Nilo Batista e ao chefe da Polícia Militar, Coronel Walmir Brum, por um comerciante de Caxias. Com a ajuda de um mapa, dizia que os corpos estavam na Curva da Morte, na Estrada Velha de Petrópolis, perto de Pau Grande, distrito de Magé, a 12 km de uma área escavada anteriormente.

Em reportagem de 21/09/1993, outra testemunha disse que os corpos de alguns dos sequestrados foram levados para a Ilha de Itaoca, em São Gonçalo.

Em 1994, as mães de Acari receberam uma denúncia de que seus filhos tinham sido jogados aos leões do sítio do ex-policial civil, João da Silva Bistene, o “Peninha” e, em 2005, coincidentemente, receberam a mesma denúncia.


Realizadas buscas no local ainda em 1994 (Peninha fora assassinado em 1991 pelo soldado PM Filomeno Ferreira Mendes, na Ilha do Governador), localizado na Rua Isaac Bistene, 209, Praia de Mauá, foram encontrados 5 (cinco) leões, sendo que apenas 2 (dois) sobreviveram (encontravam-se em péssimas condições de saúde; estavam há uma semana sem água e comida, isolados em jaulas individuais). Uma veterinária esteve no local e disse que os leões não comeriam gente e ponto final!

Em outubro de 1995 os jornais noticiavam que um ex-PM, identificado apenas como “C”, apontou o Rio Inhomirim como o local onde os corpos foram abandonados pelo policiais, liderado pelo ex-detetive João da Silva Bistene, o “Peninha” – considerado o xerife da área, relatando que os policiais pegaram as pessoas no sítio, levaram as armas e o dinheiro e, depois, estupraram as meninas e cortaram os traficantes, jogando-os posteriormente no rio. Apesar disso, os policiais acreditavam que o local da desova era o Cemitério de Bongaba, em Piabetá, Magé, local onde foi encontrada a Kombi do filho de Laudicena.

A única pista do desaparecimento que os policiais tinham era a Kombi KK 5526, com a parte traseira queimada e manchas de sangue no seu interior, encontrada próximo ao cemitério de Bongaba em Piabetá. A perícia, no entanto, fora inconclusiva, pois, constava que a kombi era utilizada para o trabalho de Hédio, que vendia carne de porco, o que poderia justificar a quantidade e sangue encontrado no veículo.


Em março de 1999, mais uma vez, denúncias reafirmaram que os corpos estariam no cemitério clandestino de Mongaba, exatamente onde tinha sido encontrada a kombi do filho de Laudicena. As mães Vera e Marilene repassaram a denúncia a uma promotora de Magé que, a princípio, queria um geólogo para detectar as ossadas; este cobrou R$ 3.800 para realizar o trabalho – dinheiro que nem o MP e nem as mães tinham –, o que foi conseguido rapidamente com o Ministro da Justiça, na época, Renan Calheiros.

No entanto, a promotora, sem qualquer motivo aparente, se recusou a utilizar os serviços do geólogo e utilizou um equipamento de uma universidade – uma máquina escavadeira – 45 dias depois em um dia de chuva, o que, segundo o geólogo destruiria os ossos que ali estivessem, pois, devido ao tempo em que estariam enterrados no local, estariam muito frágeis, devendo ser manuseados delicadamente e com pincéis. Perguntada ao RJ TV o por quê de sua conduta, a promotora simplesmente respondeu que chamou as pessoas que ela achava interessadas... Vera, uma das mães perguntou indignada: “Nós não somos interessadas?”


ASSASSINATO DE EDMÉIA

Edmeia da Silva Euzébio, 48 anos, era moradora da favela de Acari, ex-presidiária, ex-mulher de traficante, que se envolveu em delitos no passado, levara um tiro na perna e teve 2 (dois) filhos: Rosângela e Luiz Henrique Euzébio da Silva, o “Gunga”. Em 1990, Gunga, com 18 anos, estava prestes a servir o Exército. Às vésperas da convocação, arrumou as malas e viajou para o sítio com os amigos e nunca mais voltou.

Obcecada por encontrar seu filho, Edméia foi assassinada às 16h, com dois tiros na cabeça, ao sair do Complexo Penitenciário Frei Caneca, no Centro do RJ, após visitar Jorge da Silva, seu filho de consideração, na tarde do dia 15 de janeiro de 1993, mesmo ano em que aconteceram as chacinas da Candelária (julho) e de Vigário Geral (agosto). Testemunhas disseram que dois ocupantes de uma Parati vermelha com placa fria chamou Edméia e disparou.

Edméia foi morta na rua Júlio do Carmo, próximo à estação Praça Onze do metrô, enquanto Sheila da Conceição, de 25 anos, foi assassinada na esquina das ruas Carmo Neto e Afonso Cavalcante por ter assistido a execução.

Segundo as outras mães de Acari, ela comentara em seu depoimento na 10ª Vara Criminal do RJ, 10 (dez) dias antes, que estaria recebendo ameaças e acusava Ubiratan da Cunha (preso na Esmeraldino Bandeira nesta época), Alberto Lacombe e Rubens “Jacaré” de terem participação na chacina de Acari, ajudando policiais civis e militares.

Em 2011 foram denunciados pelo assassinato de Edméia e Sheila (processo n. 0077862-16.1998.8.19.0001):
Emir Larangeira
Eduardo José Rocha Creazola, o “Rambo”
Arlindo Maginário Filho
Adilson Saraiva Hora, o “Tula”
Irapuã Ferreira
Pedro Flávio Costa
Washington Luiz Ferreira dos Santos
Luiz Cláudio de Souza, o “Mamãe” ou “Badi”.

A denúncia foi recebida em 11/07/2011 e em 10/04/2012, incursos os denunciados no artigo 121, §2º, incisos I, IV e V, na forma do artigo 29, ambos do Código Penal (2 vezes). Após dois adiamentos da Audiência de Instrução e Julgamento, foi realizada uma no dia 31 de julho de 2012, sem qualquer sentença, sendo designado o dia 08/10/2012 para sua continuação, novamente redesignada para 26/11/2012. Nesta última, foi ponto facultativo, sendo redesignada a audiência para 05/12/2012, quando foi realizada e determinada a retirada dos endereços das testemunhas do caso. Nova audiência designada para o dia 25/03/2013 e, novamente, para 08/05/2013 e DE NOVO para agora, dia 31/07/2013.

Em 02/10/2012 foi desmembrado o processo em relação a Washington Luiz Ferreira dos Santos (processo n. 0342377-76.1998.8.19.0001).

Emir interpôs recurso ao STJ objetivando o trancamento da ação penal por ausência de justa causa e divergências nos depoimentos que embasam a acusação. No entanto, a liminar foi indeferida (RHC n. 34.921/RJ – Quinta Turma do STJ).

Observação: embora o tempo do crime tenha sido janeiro de 1993, o recebimento da denúncia é causa interruptiva da prescrição (art. 117, I do CP), portanto, considerando o marco o ano de 2011 ou 2012, ainda temos até 2032. Interessante os autos datarem de 1998 e a denúncia ter sido recebida APENAS 13 anos depois...

Edméia teria conseguido informações sobre a localização dos corpos dos desaparecidos em Acari. Os denunciados eram integrantes do “Cavalos Corredores” e estavam envolvidos com extorsões e outros crimes. Segundo Sueli Vieira, que trabalhava com o parlamentar e foi localizada pelo coronel PM Walmir Brum, a reunião para matar Edméia teria ocorrido no gabinete do então deputado estadual Emir Larangeira, na ALERJ – fatos noticiados pela mídia.


ARQUIVO MORTO

Em 2011, o Estado expediu a certidão de morte presumida de uma das vítimas, Viviane Rocha da Silva.

Em 25 de julho de 2010 ocorreu a prescrição desse emblemático episódio trágico do noticiário nacional: pessoas desaparecidas, corpos não encontrados, famílias destruídas, incerteza, angústia, assassinatos misteriosos, informações desencontradas, desinteresse, osquestração política, corporativismo, um sem número de substantivos, adjetivos e sentimentos, como impotência, humilhação, desprezo, negligência e esquecimento por parte das autoridades.

Ao longo dos vários anos, o que essas mães ouviram das autoridades foi “não tem corpo, não tem crime”...

Fonte: Desaparecidos.org – Do Luto à Luta 
Teses UFRJ – Mães de Acari 
Rede contra a violência.org
Jornal do Brasil
Humanitas Direitos Humanos e Cidadania
O Globo e Folha de São Paulo



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