Este
caso ficou conhecido como “Chacina de Acari” pelo fato de todos
os desaparecidos serem moradores da favela de Acari, no Rio de
Janeiro. No entanto, os fatos emblemáticos que ganharam notoriedade
na mídia nacional e mundial ocorreram no município de Magé, na
Baixada Fluminense.
Os
fatos aqui narrados foram retirados das mais variadas fontes na
internet, todas mencionadas ao final do texto.
OS
FATOS
No
dia 26 de julho de 1990, um grupo de 11 (onze) pessoas viajou para um
sítio na Estrada Fim da Picada, 1.011, distrito de Suruí, em Magé,
onde, posteriormente, foram sequestrados e continuam desaparecidos
até hoje... esta notícia foi veiculada pelo Jornal O Povo no dia
25/01/1993... NADA mudou...
Segundo
informações, encontravam-se no sítio de Suruí naquele dia, além
das 11 (onze) pessoas, a proprietária do sítio, Laudicena do
Nascimento, com 71 anos, e seu neto de 12 anos (idades à época do
fato), únicos sobreviventes que, no momento da invasão à casa em
Suruí, fugiram pelo mato.
No
depoimento de Laudicena, sua casa foi invadida por volta da
meia-noite, por policiais encapuzados que lá permaneceram por cerca
de uma hora, destruíram móveis à procura de dinheiro e joias,
sempre ameaçando a todos com suas armas. Após supostamente
negociarem a libertação de todos por meio de um pagamento, levaram
as 11 (onze) pessoas como reféns para um local abandonado, entre
estas, seu outro neto, Wallace de Souza Nascimento (19) e seu filho
Hédio do Nascimento (41). Obrigados a entrar em uma Kombi de
propriedade de Hédio – 3 (três) meninas foram colocadas em um
Fiat, nunca mais foram encontrados...
De
acordo com Laudicena, Wallace convidara vários amigos que residiam
na Favela de Acari para passar uns dias no sítio de sua avó, porém,
quando eles lá chegaram, ela e seu filho Hedio disseram para Wallace
que não havia lugar para comportar tantas pessoas.
Apesar
da queixa ter sido registrada na 69ª DP (Magé), nenhum policial
compareceu ao local para fazer o levantamento do crime –
iniciava-se todo um procedimento discriminatório em relação ao
caso, acredita-se que pelo fato das vítimas serem pobres e, entre
eles, haviam 3 (três) rapazes com passagem pela Delegacia de Roubos
e Furtos de Cargas (Wallace de Souza Nascimento, 18 anos; Moisés dos
Santos, o “Moi”, 26 anos; e Luís Carlos Vasconcelos de Deus, o
“Lula”, 32 anos).
Desaparecidos:
1.
Rosana Souza Santos, 17 anos – filha de Marilene Lima de Souza
(falecida em 15/10/2012 – tumor no cérebro) e namorada de “Lula”;
2.
Cristiane Souza Leite, 17 anos – filha de Vera Lúcia Flores Leite
(falecida em 10/08/2008) e namorada de “Moi”;
3.
Luiz Henrique da Silva Eusébio, 16 anos – filho de Edméia da
Silva Eusébio (assassinada no dia 15/01/1993 ao sair de um presídio
no Centro do RJ, onde buscava informações sobre o caso);
4.
Hudson de Oliveira Silva, 16 anos – filho de Euzilar Joana Silva
Oliveira;
5.
Edson Souza Costa, 16 anos – filho de Teresa de Souza Costa;
6.
Antônio Carlos da Silva, 17 anos – filho de Ana Maria da Silva;
7.
Viviane Rocha da Silva, 13 anos – filha de Márcia da Silva;
8.
Wallace Oliveira do Nascimento, 17 anos – filho de Maria das Graças
do Nascimento;
9.
Hédio Oliveira do Nascimento, 30 anos – filho de Laudicena
Oliveira do Nascimento (falecida);
10.
Moisés Santos Cruz, 26 anos – filho de Ednéia Santos Cruz;
11.
Luiz Carlos Vasconcelos de Deus, 32 anos – filho de Denise
Vasconcelos.
(Encontramos
as informações corretas sobre os parentescos no
Doutorado em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro, de autoria de Rita de Cássia Santos Freitas – link:
http://teses.ufrj.br/ess_d/ritadecassiasantosfreitas.pdf).
FATOS
QUE ANTECEDERAM O DESAPARECIMENTO
Segundo
testemunhas, no dia 14 de julho de 1990, policiais fardados do 9º
BPM invadiram a casa de Edméia, mãe de um dos desaparecidos no dia
26 de julho, prenderam Moisés, Viviane e Edson (também sequestrados
no dia 26) exigindo o pagamento de CR$ 5 milhões e, que se a quantia
não fosse paga, matariam todos. Mais tarde, reduziram o valor para
CR$ 2 milhões, sendo pagos CR$ 1 milhão e 800 mil por Luís Carlos
Vasconcelos (também desaparecido em 26/07). Alguns acreditavam que,
por não terem completado o pagamento, armaram esse “passeio”
para Magé.
CAVALOS
CORREDORES
A
reportagem do Jornal O Dia (12/09/1993) noticiava que foram
reconhecidos por fotos como autores desta invasão e extorsão os
soldados Carlos Alberto de Souza Gomes, Eduardo José Rocha Creazola,
o “Rambo”, Evaldo Barbosa do Nascimento, Paulo Roberto Borges da
Silva e Wilton Elias da Cunha, todos do 9º BPM – 3 (três) destes
suspeitos de participação na Chacina de Vigário Geral, em 29 de
agosto de 1993. Segundo um relatório, todos estes faziam parte de um
grupo de extermínio denominado “Cavalos Corredores”,
supostamente liderado pelo, então, comandante do 9º BPM, Coronel
Emir Larangeira, especialmente criado para o combate ao tráfico de
drogas.
O
grupo denominava-se “Cavalos Corredores” por sua entrada na
favela fazendo barulho como se fosse uma tropa, espalhando terror
pelas vielas, invadindo casas, extorquindo e agredindo pessoas. Uma
reportagem do Jornal O Dia divulgou trechos de um documento do
Serviço de Homicídio da Baixada Fluminense acusando o coronel Emir
Larangeira de chefiar o referido grupo e de se proteger atrás da
imunidade parlamentar. Algumas testemunhas, na época, acusaram
vários policiais de extorquir moradores e violentar meninas, além
de crimes de morte, bem como, denúncias de desvio de armas
apreendidas do tráfico para serem utilizadas por grupos de
extermínio formados por policiais militares.
Segundo
Emir Larangeira, em entrevista publicada pelo jornal O Povo, só
existe uma explicação para o crime: teria sido praticado por uma
quadrilha rival, pois, na véspera do fato, um rapaz chamado
“Jacaré”, que estava junto com o grupo, com a desculpa de que
estava com saudades do filho, resolveu ir embora do sítio. “Jacaré”
estaria se unindo a uma nova quadrilha, em Parada de Lucas e, na
verdade, dera as coordenadas para que seus novos parceiros
executassem o crime.
Para
Emir, o caso tinha virado uma bandeira política do PT pois, todos
que estavam investigando – o delegado Hélio Luz e o secretário do
CEAP (Centro de Articulação das Populações Marginalizadas) Ivanir
dos Santos, eram vinculados ao PT. Também associava as mães das
vítimas aos traficantes de drogas de Acari, pois, quando chegou à
delegacia no dia do reconhecimento dos policiais percebeu que 1)
todos participaram da prisão de vários marginais de Acari, e 2) o
advogado das “Mães de Acari”, Salvador Menezes Couto, era
conhecido como “defensor dos bandidos da favela”. Entendeu
tratar-se de uma cilada, uma vingança dos traficantes.
Muitas
das denúncias foram feitas por militares de alta patente, como um
sucessor de Larangeira no 9º BPM, Coronel César Pinto, que observou
os vícios existentes entre os policiais militares que, segundo suas
declarações, “faziam o que bem entendiam”. Verificou que 10% da
tropa estavam acostumados a ganhar dinheiro participando de
“mineiras” (extorsões contra traficantes, ladrões e outros
marginais); classificou o 9º BPM como “um batalhão de bandidos”
e que TUDO era feito com a anuência do comandante (reportagem de
1993).
Um
informante do 9º BPM e também da DRFC, Carlos Roberto Freire, em
depoimento aos investigadores da 2ª Seção do Estado Maior da
PMERJ, disse ter levado 5 (cinco) dos sequestradores a Magé, em uma
cilada armada a pedido dos soldados do 9º BPM – Carlos desapareceu
após prestar depoimento, porém, foi localizado preso em outro
Estado. Os investigadores descobriram, ainda, a criação dos
“Cavalos Corredores”, grupo de extermínio do 9º BPM formado por
alguns policiais.
Atualmente
reformado, Emir Larangeira foi ABSOLVIDO desta acusação, cujas
sentenças disponibiliza em seu site na internet – link:
http://www.emirlarangeira.com.br/reu.htm).
Grande
parte das informações acima expostas encontram-se no trabalho de
Mestrado em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, de Fábio Alves Araújo (link disponível:
http://www.desaparecidos.org/brazil/voces/araujo.pdf).
BUSCA
IMPLACÁVEL
Em
março de 1993, reportagem do Jornal O Dia noticiava o conteúdo de
uma carta enviada à sua redação, ao vice-governador Nilo Batista e
ao chefe da Polícia Militar, Coronel Walmir Brum, por um comerciante
de Caxias. Com a ajuda de um mapa, dizia que os corpos estavam na
Curva da Morte, na Estrada Velha de Petrópolis, perto de Pau Grande,
distrito de Magé, a 12 km de uma área escavada anteriormente.
Em
reportagem de 21/09/1993, outra testemunha disse que os corpos de
alguns dos sequestrados foram levados para a Ilha de Itaoca, em São
Gonçalo.
Em
1994, as mães de Acari receberam uma denúncia de que seus filhos
tinham sido jogados aos leões do sítio do ex-policial civil, João
da Silva Bistene, o “Peninha” e, em 2005, coincidentemente,
receberam a mesma denúncia.
Realizadas
buscas no local ainda em 1994 (Peninha fora assassinado em 1991 pelo
soldado PM Filomeno Ferreira Mendes, na Ilha do Governador),
localizado na Rua Isaac Bistene, 209, Praia de Mauá, foram
encontrados 5 (cinco) leões, sendo que apenas 2 (dois) sobreviveram
(encontravam-se em péssimas condições de saúde; estavam há uma
semana sem água e comida, isolados em jaulas individuais). Uma
veterinária esteve no local e disse que os leões não comeriam
gente e ponto final!
Em
outubro de 1995 os jornais noticiavam que um ex-PM, identificado
apenas como “C”, apontou o Rio Inhomirim como o local onde os
corpos foram abandonados pelo policiais, liderado pelo ex-detetive
João da Silva Bistene, o “Peninha” – considerado o xerife da
área, relatando que os policiais pegaram as pessoas no sítio,
levaram as armas e o dinheiro e, depois, estupraram as meninas e
cortaram os traficantes, jogando-os posteriormente no rio. Apesar
disso, os policiais acreditavam que o local da desova era o Cemitério
de Bongaba, em Piabetá, Magé, local onde foi encontrada a Kombi do
filho de Laudicena.
A
única pista do desaparecimento que os policiais tinham era a Kombi
KK 5526, com a parte traseira queimada e manchas de sangue no seu
interior, encontrada próximo ao cemitério de Bongaba em Piabetá. A
perícia, no entanto, fora inconclusiva, pois, constava que a kombi
era utilizada para o trabalho de Hédio, que vendia carne de porco, o
que poderia justificar a quantidade e sangue encontrado no veículo.
Em
março de 1999, mais uma vez, denúncias reafirmaram que os corpos
estariam no cemitério clandestino de Mongaba, exatamente onde tinha
sido encontrada a kombi do filho de Laudicena. As mães Vera e
Marilene repassaram a denúncia a uma promotora de Magé que, a
princípio, queria um geólogo para detectar as ossadas; este cobrou
R$ 3.800 para realizar o trabalho – dinheiro que nem o MP e nem as
mães tinham –, o que foi conseguido rapidamente com o Ministro da
Justiça, na época, Renan Calheiros.
No
entanto, a promotora, sem qualquer motivo aparente, se recusou a
utilizar os serviços do geólogo e utilizou um equipamento de uma
universidade – uma máquina escavadeira – 45 dias depois em um
dia de chuva, o que, segundo o geólogo destruiria os ossos que ali
estivessem, pois, devido ao tempo em que estariam enterrados no
local, estariam muito frágeis, devendo ser manuseados delicadamente
e com pincéis. Perguntada ao RJ TV o por quê de sua conduta, a
promotora simplesmente respondeu que chamou as pessoas que ela achava
interessadas... Vera, uma das mães perguntou indignada: “Nós não
somos interessadas?”
ASSASSINATO
DE EDMÉIA
Edmeia
da Silva Euzébio, 48 anos, era moradora da favela de Acari,
ex-presidiária, ex-mulher de traficante, que se envolveu em delitos
no passado, levara um tiro na perna e teve 2 (dois) filhos: Rosângela
e Luiz Henrique Euzébio da Silva, o “Gunga”. Em 1990, Gunga, com
18 anos, estava prestes a servir o Exército. Às vésperas da
convocação, arrumou as malas e viajou para o sítio com os amigos e
nunca mais voltou.
Obcecada
por encontrar seu filho, Edméia foi assassinada às 16h, com dois
tiros na cabeça, ao sair do Complexo Penitenciário Frei Caneca, no
Centro do RJ, após visitar Jorge da Silva, seu filho de
consideração, na tarde do dia 15 de janeiro de 1993, mesmo ano em
que aconteceram as chacinas da Candelária (julho) e de Vigário
Geral (agosto). Testemunhas disseram que dois ocupantes de uma Parati
vermelha com placa fria chamou Edméia e disparou.
Edméia
foi morta na rua Júlio do Carmo, próximo à estação Praça Onze
do metrô, enquanto Sheila da Conceição, de 25 anos, foi
assassinada na esquina das ruas Carmo Neto e Afonso Cavalcante por
ter assistido a execução.
Segundo
as outras mães de Acari, ela comentara em seu depoimento na 10ª
Vara Criminal do RJ, 10 (dez) dias antes, que estaria recebendo
ameaças e acusava Ubiratan da Cunha (preso na Esmeraldino Bandeira
nesta época), Alberto Lacombe e Rubens “Jacaré” de terem
participação na chacina de Acari, ajudando policiais civis e
militares.
Em
2011 foram denunciados pelo assassinato de Edméia e Sheila (processo
n. 0077862-16.1998.8.19.0001):
→
Emir Larangeira
→
Eduardo José Rocha
Creazola, o “Rambo”
→
Arlindo Maginário
Filho
→
Adilson Saraiva
Hora, o “Tula”
→
Irapuã Ferreira
→
Pedro Flávio Costa
→
Washington Luiz
Ferreira dos Santos
→
Luiz Cláudio de
Souza, o “Mamãe” ou “Badi”.
A
denúncia foi recebida em 11/07/2011 e em 10/04/2012, incursos os
denunciados no artigo 121, §2º, incisos I, IV e V, na forma do
artigo 29, ambos do Código Penal (2 vezes). Após dois adiamentos da
Audiência de Instrução e Julgamento, foi realizada uma no dia 31
de julho de 2012, sem qualquer sentença, sendo designado o dia
08/10/2012 para sua continuação, novamente redesignada para
26/11/2012. Nesta última, foi ponto facultativo, sendo redesignada a
audiência para 05/12/2012, quando foi realizada e determinada a
retirada dos endereços das testemunhas do caso. Nova audiência
designada para o dia 25/03/2013 e, novamente, para 08/05/2013 e DE
NOVO para agora, dia 31/07/2013.
Em
02/10/2012 foi desmembrado o processo em relação a Washington Luiz
Ferreira dos Santos (processo n. 0342377-76.1998.8.19.0001).
Emir
interpôs recurso ao STJ objetivando o trancamento da ação penal
por ausência de justa causa e divergências nos depoimentos que
embasam a acusação. No entanto, a liminar foi indeferida (RHC n.
34.921/RJ – Quinta Turma do STJ).
Observação:
embora o tempo do crime tenha sido janeiro de 1993, o recebimento da
denúncia é causa interruptiva da prescrição (art. 117, I do CP),
portanto, considerando o marco o ano de 2011 ou 2012, ainda temos até
2032. Interessante os autos datarem de 1998 e a denúncia ter sido
recebida APENAS 13 anos depois...
Edméia
teria conseguido informações sobre a localização dos corpos dos
desaparecidos em Acari. Os denunciados eram integrantes do “Cavalos
Corredores” e estavam envolvidos com extorsões e outros crimes.
Segundo Sueli Vieira, que trabalhava com o parlamentar e foi
localizada pelo coronel PM Walmir Brum, a reunião para matar Edméia
teria ocorrido no gabinete do então deputado estadual Emir
Larangeira, na ALERJ – fatos noticiados pela mídia.
ARQUIVO
MORTO
Em
2011, o Estado expediu a certidão de morte presumida de uma das
vítimas, Viviane Rocha da Silva.
Em
25 de julho de 2010 ocorreu a prescrição desse emblemático
episódio trágico do noticiário nacional: pessoas desaparecidas,
corpos não encontrados, famílias destruídas, incerteza, angústia,
assassinatos misteriosos, informações desencontradas, desinteresse,
osquestração política, corporativismo, um sem número de
substantivos, adjetivos e sentimentos, como impotência, humilhação,
desprezo, negligência e esquecimento por parte das autoridades.
Ao
longo dos vários anos, o que essas mães ouviram das autoridades foi
“não tem corpo, não tem crime”...
Fonte:
Desaparecidos.org – Do Luto à Luta
Teses UFRJ
– Mães de Acari
Site Emir
Larangeira ( http://www.emirlarangeira.com.br/reu.htm)
Rede contra
a violência.org
Jornal do
Brasil
Humanitas
Direitos Humanos e Cidadania
O Globo e
Folha de São Paulo
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