segunda-feira, 16 de setembro de 2013

JOVENS ENTREGUES À TRAFICANTES POR MILITARES DO EXÉRCITO - Morro da Providência, Rio de Janeiro/RJ (2008) - 19ª edição


Na época, o Exército ocupava o local com a finalidade de realizar a segurança do pessoal, material e equipamentos empregados nas obras do Projeto Cimento Social, no Morro da Providência, idealizado pelo Senador Marcelo Crivela.

Dia 14 de junho de 2008, sábado. Marcos Paulo da Silva (17 anos), Wellington Gonzaga Costa (19 anos) e David Wilson Florença da Silva (24 anos), moradores do Morro da Providência, na zona portuária do Rio, foram abordados por militares do Exército às 7h30min quando retornavam de táxi de um baile funk.


Segundo depoimentos dos militares envolvidos, eles abordaram os jovens porque perceberam que um deles estava com algo debaixo da camisa e preso na cintura... acharam que fosse uma arma. Houve confusão durante a revista e, portanto, conduziram os jovens para a Delegacia Judiciária Militar, na região do Santo Cristo, para autuá-los por desacato, porém, o capitão responsável pelo local, Leandro Ferrari, ordenou que eles fossem liberados após serem ouvidos.

Testemunhas afirmam que os jovens ficaram em poder dos militares até as 11h30min e, depois, em vez de cumprir a ordem de seu superior, os entregaram a traficantes de uma facção rival à do Morro da Providência, no Morro da Mineira. Foram torturados por mais de seis horas e, segundo testemunhas, executados por volta das 18h do sábado. Seus corpos foram jogados no aterro sanitário de Gramacho, Duque de Caxias.

De acordo com o laudo do IML, Wellington teve as mãos amarradas e o corpo perfurado com vários tiros; David teve um dos braços quase decepado e também foi baleado; e Marcos morreu com um tiro no peito e foi arrastado pela favela com as pernas amarradas. Os corpos foram encontrados no lixão de Gramacho, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.



A REVOLTA DA POPULAÇÃO
(notícia veiculada pela A Nova Democracia.com)

Antes mesmo de ser confirmada a morte dos três jovens, mais de 200 moradores do morro da Providência foram até o Largo de Santo Cristo, onde realizaram um protesto que parou a cidade. Um ônibus foi queimado e outros nove apedrejados. O exército reagiu com bombas, mas a massa respondeu com pedras e garrafas.

Quando retornaram pela noite, moradores foram ao alto do morro e retiraram a bandeira do Brasil do mastro — que simbolizava o domínio do Exército — e hostilizaram as tropas que permaneciam na Providência. No Farias — área onde os rapazes foram sequestrados — soldados tiveram que fugir correndo, quando mais de 100 pessoas, aos gritos de "Assassinos! Assassinos!" partiram para cima da tropa.

No dia seguinte, mais protestos. Cerca de 300 moradores e parentes dos jovens foram até a porta do quartel no Largo de Santo Cristo para pedir justiça. Novo confronto.

Na segunda-feira, dia do enterro dos rapazes, mais de mil pessoas foram ao cemitério prestar solidariedade às famílias e o que se viu foi a indignação de toda a comunidade contra o Exército e o candidato a prefeito e bispo da Igreja Universal do Reino de Deus Marcelo Crivella, autor do projeto eleitoreiro que levou tropas do Exército para a Providência. No velório, não faltaram denúncias sobre a presença dos soldados na comunidade.

Outro dia eu estava em casa vendo televisão e escutei um barulho no portão. Quando olhei pela varanda tinha um militar. Vi pela patente que era um sargento. Eu sei por que eu já servi quartel. Ele estava jogando o pó [cocaína] em cima da carteira para cheirar. Quando eu bati no portão pra que ele saísse, ainda escutei um desaforo — conta um morador indignado.

Logo após o velório, os moradores seguiram em quase dez ônibus para a porta do Comando Militar do Leste para um novo protesto. Mais uma vez a tropa de choque do Exército respondeu com bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo e a massa respondeu, atacando o prédio do Comando Militar do Leste com paus e pedras.

Entre as frases preferidas de Vinícius Ghidetti, este diz detestar o “uso de drogas e as piranhas que se fazem de santinhas”, e parece ter levado a sério o demasiado rigor com que a AMAN forma seus militares, como demonstra uma das frases impressas nas camisas vendidas na instituição: “Só stress. Não há limites para a maldade”.



                            À direita, 
                           Tenente Vinícius Guidetti







DADOS PROCESSUAIS

Na decisão de pronúncia dos acusados: relato do fato, descrição dos laudos cadavéricos dos 3 jovens, trecho do depoimento de Vinícius Ghidetti – link: http://sdrv.ms/183GIxb.

Foram denunciados, em 27 de junho de 2008, como incursos nas penas do artigo 121, §2º, incisos I, III e IV, por 3 vezes, na forma dos artigos 29 e 69, todos do Código Penal:
→ Leandro Maia Bueno
→ Vinícius Ghidetti de Moraes Andrade
→ José Ricardo Rodrigues de Araújo
→ Bruno Eduardo de Fátima
→ Renato de Oliveira Alves
→ Julio Almeida Ré
→ Rafael Cunha da Costa Sá
→ Sidney de Oliveira Barros
→ Fabiano Eloi dos Santos
→ Samuel de Souza Oliveira
→ Eduardo Pereira de Oliveira

Segundo os procuradores, fundamentados no diálogo entre o tenente Ghidetti e os jovens, a caminho do morro da Mineira, em uma parada no Sambódromo, reproduzido nos depoimentos dos militares, o tenente foi à caçamba do caminhão e perguntou aos jovens se estavam arrependidos, tendo como resposta de um deles “Não. Tô gostando”.

Então, o oficial anunciou que eles seriam entregues aos traficantes e admitiu que poderiam morrer. Como nenhum dos demais militares fez nada para evitar a consumação do fato, eles responderão por omissão. Na denúncia, o sargento Maia será apontado como responsável pela negociação com os traficantes, o soldado Rodrigues como quem levou o grupo até o Morro da Mineira e seu colega, Fabiano, será responsabilizado por ter evitado que um do jovens fugisse – disseram os Procuradores na época.

O tenente Ghidetti teria dito ainda, segundo testemunhas, que os jovens seriam um “presentinho” para os traficantes da Mineira, mas, no depoimento e em juízo, negou e afirmou apenas que desejava dar um “susto” nos rapazes. No entanto, o juiz declarou que o tenente viu os rapazes apanhando de seis traficantes e nada fez para impedir.

O oficial chegou a chorar quando disse que era casado há seis meses e tinha um filho de 2 meses, na época do fato. Tentou convencer o juiz de que desejava apenas dar um “corretivo” nos rapazes e de que não pretendia entrega-los à traficantes: "Houve um encontro fortuito, tanto que ficamos assustados. Por isso, o sargento Maia foi até eles explicar que não era uma operação. E que só queríamos dar um susto nos três, que tinham nos desacatado”.

O sargento foi o segundo a depor e se contradisse várias vezes, sendo advertido pelo juiz: "Não caí de para-quedas nessa cadeira. Não fui criado em apartamento do Leblon. Não soltei pipa em ventilador nem joguei bola de gude em carpete. Sou da zona norte. Portanto, quero coerência", disse o juiz Granado. Maia negou que tivesse avisado os traficantes de que estavam ali para dar um corretivo nos jovens. Confrontado pelo juiz com o depoimento do tenente, voltou atrás, mas insistiu que o fato de ter dito aos traficantes que estavam ali para dar um corretivo foi "mera coincidência" com o que pensava o tenente. Ele não teria recebido instrução do superior.



Tiveram suas prisões preventivas REVOGADAS e, posteriormente, foram IMPRONUNCIADOS:
→ Em 07/07/2008: Eduardo Pereira de Oliveira, Bruno Eduardo de Fátima e Samuel de Souza Oliveira;

→ Em 12/11/2008: Renato de Oliveira Alves e José Ricardo Rodrigues de Araújo – link com trechos de seus depoimentos que culminaram na revogação: http://sdrv.ms/14EurxQ.

→ Em 21/11/2008: Sidney de Oliveira Barros, Julio Almeida Ré e Rafael Cunha da Costa Sá – link com trechos de seus depoimentos que culminaram na revogação: http://sdrv.ms/14EuZ6P.

→ Em 03/05/2010: na sentença de pronúncia de Vinícius e Leandro foi revogada a prisão de Fabiano Eloi dos Santos (link mencionado no início dos “dados processuais”).


Pronunciados foram, apenas, o tenente Vinícius Ghidetti e o sargento Leandro Maia Bueno. Ambos tiveram liberdade provisória concedida em 24/08/2011, com suspensão da função pública. O Ministério Público Federal recorreu e, em 30/01/2012, apresentaram-se no Batalhão de Infantaria Motorizada para recolherem-se presos.
A partir daí, Vinícius começou (!) a apresentar perturbação da saúde mental e, na oportunidade do julgamento pelo Tribunal do Júri, em 06/08/2012, o juízo determinou a separação dos julgamentos de Vinícius e Leandro – este último foi ABSOLVIDO (!!!). O outro, submetido a tratamento psiquiátrico.
Cabe recurso.

Vinícius foi internado no Hospital Central do Exército em tratamento psiquiátrico e, submetido a novo laudo, foi diagnosticado com Transtorno Dissociativo, não especificado (F44.9), que se perfaz em perda parcial ou completa entre memórias do passado, consciência de identidade e sensações imediatas e controle dos movimentos corporais, havendo possibilidade de o réu ser submetido a tratamento ambulatorial com acompanhamento de seu curador, e que a tornozeleira eletrônica é compatível com sua atual situação psíquica.

Em 19/12/2012, Vinícius teve sua prisão preventiva convertida em medida cautelar pessoal de:
→ tratamento ambulatorial realizado no HCE;
→ proibição de aproximar-se a menos de 200m do Morro da Providência;
→ proibição de manter qualquer tipo de contato com familiares das vítimas e testemunhas arroladas pela acusação no processo, entre outras medidas – link para a decisão: http://sdrv.ms/14ExAgW.


Esse, até o momento, é o saldo: uma absolvição e o outro – desmembrado seu processo – com o processo suspenso por superveniência de doença mental.


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