domingo, 15 de dezembro de 2013

CHACINA DA CANDELÁRIA, Rio de Janeiro/RJ (1993) - 34ª edição



A noite cai, chega a madrugada e, como tantas outras, moradores de rua tem o chão e o céu como abrigo... mas naquela madrugada, seria diferente... pelo menos para os menores que se acostavam nas proximidades da Igreja da Candelária, ponto turístico e religioso da cidade do Rio de Janeiro.

Segundo a advogada Cristina Leonardo, na noite do dia 22 de julho, houve uma festinha organizada por pessoas que faziam trabalhos sociais – do qual ela participava – tendo filmado a comemoração. Cerca de 50 jovens dormiam naquele dia e local.

Pouco mais da meia-noite, no dia 23 de julho de 1993, dois veículos Chevette, dos quais saíram de um deles quatro homens e, do outro, mais dois, antagonizaram um episódio de repercussão mundial, que ficou conhecido como a “chacina da Candelária”.



De acordo com o relato da Revista Veja – Arquivo Digital Online (edição 1298, 28 de julho de 1993), um dos homens perguntou a um garoto se este era o “Russo”... o garoto disse que não conhecia ninguém com esse nome e que se chamava Marco Antonio. O homem berrou dizendo que não adiantava mentir, o que assustou outro menor de 17 anos, conhecido como “Caveirinha”, que pôs-se a correr... outro homem ainda mirou neste, mas o revólver engasgou duas vezes... Marco Antonio Russo e seus vizinhos de chão foram os primeiros atingidos.

Quase sempre na cabeça, os tiros mataram três na hora. Um deles chegou a atravessa a rua cambaleando, mas caiu na grama, em frente à igreja... Russo, que se chamava Marco Antonio da Silva, levou um tiro no olho direito e outro na coxa direita; o caçula do grupo, Paulo Roberto de Oliveira, o “Pimpolho”, que faria 12 anos na semana seguinte, chegou vivo ao hospital mas morreu em seguida.



Pouco tempo antes ou depois deste episódio, a cerca de 500m da Candelária, um dos veículos Chevette abordou três rapazes, os colocou dentro do carro e jogou seus corpos, baleados, num canteiro em frente ao Museu de Arte Moderna, localizado a 3km da Candelária. Um dos rapazes sobreviveu: Wagner dos Santos, de 22 anos, levou uma bala na cabeça, que se alojou na nuca, a milímetros da coluna cervical.

De acordo com Wagner, ao prestar depoimento ainda com o rosto deformado de hematomas, havia quatro homens em um Chevette amarelo... dois desceram, um deles encapuzado, abriram o porta-malas, pegaram algo (talvez armas) e encostaram na parede Wagner e seus dois amigos – Paulo e “Gambazinho”. O encapuzado teria tirado o capuz: era um homem alto, com um dente da frente quebrado... um dos homens gritou “é a polícia!”, e deram início a tapas, socos e chutes; posteriormente, foram colocados no banco de trás do carro.



Um homem franzino, branco, de nariz afilado, com boné escuro, sentou na barriga de Wagner e encostou o revólver em sua cabeça. A partir daí, lembra apenas que viu um dos homens que estavam no banco da frente, um moreno com cabelo baixo “tipo militar”, dizer “Tu se lembra de mim, Paulo?”... levou um tiro e desmaiou. Acordou em frente ao Museu, chutou o pé do companheiro “Gambazinho”, que não acordou e foi parar num posto de gasolina.

Wagner tem uma bala alojada na coluna, envenenamento por chumbo (saturnismo), sequelas físicas e psicológicas, com perda parcial de visão, audição e paralisia no rosto... sofreu um atentado no dia 12 de setembro de 1994, nos arredores da Central do Brasil, sendo, então, incluído no Programa de Proteção à Testemunha... foi levado à Europa pela Anistia Internacional e, atualmente, recebe cerca de dois salários mínimos mensais do governo do Estado do Rio de Janeiro (art. 1º da Lei Estadual n. 3.421, de 16 de junho de 2000). Seu depoimento foi fundamental no reconhecimento dos envolvidos.



Os demais sobreviventes do episódio na Candelária receberam ajuda de Yvonne Lofgren, artista plástica casada com um dos sócios da rede Othon de hotéis.

Segundo investigações, na quinta-feira à tarde (22/07/1993), um rapaz conhecido como Neilton, de 19 anos, foi preso na Candelária vendendo três latas de cola de sapateiro... houve confusão, onde os meninos de rua jogaram pedras contra um carro da PM, quebrando o vidro lateral traseiro e ferindo o rosto do soldado Marcus Vinícius Emmanuel Borges. Os policiais militares levaram Neilton à DP e, no trajeto, um deles ameaçou: “Se você quiser continuar vivo, passa a noite fora daqui que o couro vai comer”. Como Neilton tinha as notas fiscais da compra da cola, foi solto... ao retornar à Candelária, contou a ameaça à Marco Antonio Russo que, por já ter sofrido ameaças anteriores, não deu crédito.

Poucas horas depois, a artista plástica Yvonne Bezerra esteve no local servindo bolo e refrigerantes para os jovens. Tudo parecia normal. Na madrugada... a tragédia...

Era do conhecimento das autoridades que as pessoas na região estavam incomodadas com a presença daqueles meninos, segundo declaração prestada na época pelo então Secretário de Polícia Civil, Nilo Batista. Semanas antes da Convenção sobre Meio Ambiente – ECO 92 – promovida pela ONU no Rio de Janeiro, os menores sumiram do local... após a Convenção, aos poucos, os menores foram retornando.



Seguiram-se as notícias... alguns veículos disponibilizaram telefone para que denunciassem algo que levasse à prisão dos algozes... na primeira hora, 25 pessoas ligaram, duas com denúncias sobre a matança... mas o dobro desses telefonema para festejar, dizendo coisas do tipo “deviam ter matado todos”, “ainda foi pouco, deviam arrancar a cabeça deles”. Em um programa de rádio na CBN, apresentado por Liliana Rodriguez, todos que ligaram apoiaram a chacina...

Os assassinados têm seus nomes inscritos em uma cruz, localizada em frente à Igreja da Candelária até os dias de hoje:
Paulo Roberto de Oliveira;
Anderson de Oliveira Pereira;
Marcelo Cândido de Jesus;
Valdevino Miguel de Almeida;
→ “Gambazinho”;
Leandro Santos da Conceição;
Paulo José da Silva;
Marcos Antonio Alves da Silva, o “Russo”.


DADOS PROCESSUAIS

O estopim para elucidar os participantes do crime foram os episódios da prisão de Neilton, vendedor de cola de sapateiros (que, segundo o Desembargador Muinoz, não era ilegal na época), e Wagner Santos, sobrevivente da abordagem feita na noite do crime.

O primeiro identificado foi o então soldado da Polícia Militar, Marcus Vinícius Emmanuel Borges, da Companhia de Trânsito. Com 26 anos, foi designado para trabalhar no cruzamento das avenidas Rio Branco e Presidente Vargas. Ele efetuara a prisão de Neilton na tarde do dia 22 de julho, mas este foi liberado e, segundo Borges, voltou à rua debochando do policial, que partiu para cima dele, e acabou ferido. Ao chegar em casa, à noite no Rio Comprido, relatou o episódio ao irmão, também PM, e a um amigo, o ex-policial militar Maurício da Conceição, conhecido como “Sexta-Feira Treze”, chefe de um grupo de extermínio.

Processos n. 0072471-56.1993.8.19.0001, n. 0056380-85.1993.8.19.0001 e n. 0118130-88.1993.8.19.0001.
Os dados não se encontram facilmente dispostos para consulta e também não estão completos. Mencionaremos, então, as informações veiculadas pela mídia.

Três foram condenados pelo crime em questão:
Marcus Vinícius Borges Emmanuel: condenado pela primeira vez no ano de 1996 à 309 (trezentos e nove) anos de prisão; ingressou com recurso, conseguindo reduzir a pena para 89 (oitenta e nove) anos e, com posterior recurso do Ministério Público, a pena acabou por fixada em 300 (trezentos) anos de prisão. Cumpriu apenas 18 anos na cadeia e, através de um indulto, ganhou a liberdade no dia 29 de junho de 2012.

A defesa de Marcus tentou derrubar a hediondez do delito para que, dessa forma, o réu pudesse ter direito a esse indulto (Decreto 6.706/2008), visto que o crime foi praticado em 1993, e a lei que transformou o homicídio qualificado em crime hediondo é a lei n. 8.930/1994.

O MP recorreu ao STJ que suspendeu o indulto com base no argumento de que, embora o homicídio qualificado tenha se tornado hediondo a partir de 1994, o decreto veda expressamente a concessão do benefício “aos que praticaram crimes hediondos após o advento da lei n. 8.072/90, observadas as alterações posteriores. Sendo assim, em decisão proferida no dia 10 de julho de 2013, a Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro expediu mandado de prisão para Marcus que, atualmente, se encontra foragido.

Marco Aurélio Dias Alcântara: recebeu a pena de 204 (duzentos e quatro) anos de prisão e foi acusado também de violentar um dos jovens. Foi libertado após receber um indulto em 2010.

Nelson Oliveira dos Santos: recebeu a pena de 243 (duzentos e quarenta e três) anos, mais 18 (dezoito) pela tentativa de assassinato contra Wagner. Ingressou com recurso conseguindo a absolvição, embora tenha confessado os crimes; em recurso, o Ministério Público reverteu a situação, e Nelson acabou condenado a 27 (vinte e sete) anos pelas mortes, mantendo a pena de 18 (dezoito) anos pela tentativa contra Wagner, totalizando 45 (quarenta e cinco) anos de prisão. Segundo notícias, encontra-se em liberdade condicional por outros crimes.

Seu depoimento em abril de 1996, onde confessou sua participação no crime, confirmou também como responsáveis Marcus Vinícius Borges Emmanuel, Marco Aurélio Dias de Alcântara, Arlindo Afonso e Maurício da Conceição. Em contrapartida, inocentou os então acusados Cláudio dos Santos, Marcelo Cortes e o serralheiro Jurandir Gomes França.

Todos perderam seus cargos na polícia militar. Outros indiciados pelo fato foram:
Maurício da Conceição, ex-policial militar, conhecido como “Sexta-Feira Treze”: acusado, morreu durante as investigações.

Arlindo Lisboa Afonso Junior: recebeu 2 (dois) anos de prisão por ter em seu poder uma das armas usadas no crime. No dia 28 de março de 2001 teve a extinção da punibilidade pela prescrição.

Carlos Jorge Liaffa: não foi acusado embora tenha sido reconhecido por um sobrevivente e a perícia ter comprovado que uma das cápsulas que atingiu uma das vítimas foi disparada pela arma de seu padrasto.

Uma das vítimas sobreviventes da chacina da Candelária, Sandro Nascimento, protagonizou outro episódio violento no dia 12 de junho de 2000, o “sequestro do ônibus 174”, que ensejou um documentário e um filme onde foi mencionado o caso em comento.


Filme “Última Parada 174”:



Reportagem sobre o reconhecimento de 2 policiais:



Reportagem sobre o caso, com depoimento de Wagner (20 anos após o caso):




Fonte: Arquivo Veja Digital
           Globo Online – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
           Folha de São Paulo – Dom Total
           Rede Contra a Violência


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