Esta
não é uma história como as que costumamos ver nesta série... não
houve uma chacina, o crime não foi passional nem motivado por
vingança... aliás, sequer houve motivo que o justificasse – não
que outras atrocidades se fundamentem por qualquer motivo mas, no
fundo, sabemos que para o autor SEMPRE tem um motivo, por mais
esdrúxulo que este se apresente.
Passo,
agora, a relatar a história de Damião Ximenes Lopes, inicialmente,
segundo o depoimento de um familiar.
Meigo,
compreensivo, introvertido e de olhar pensativo, Damião Ximenes
Lopes, então com 30 anos de idade, levou uma vida normal até seus
17 anos. Após sofrer uma pancada na cabeça, em 1982, Damião
repentinamente falava coisas sem nexo e, com o passar do tempo,
tornou-se depressivo, quadro que perdurou por 13 anos, alternando
momentos de crise e de normalidade, cada vez mais prolongadas e
frequentes.
Em
dezembro de 1995 sua situação agravou-se e Damião foi internado na
Casa de Repouso Guararapes, em Sobral, no Ceará. Recebeu alta 2
(dois) meses depois dependente de remédios controlados. Damião não
comentava suas experiências na referida instituição mas, para quem
perguntava sobre, ele respondia que “era só violência”.
Damião
não suportava mais os medicamentos e, em março de 1998, teve uma
recaída. Seus familiares o levaram à Fortaleza onde se consultou,
recebeu medicamento e voltou para casa, passando muito mal durante a
viagem. Agitado, descontrolou-se, de modo que o motorista bateu o
carro e Damião sai caminhando sem rumo. A polícia conseguiu
localizá-lo, trouxe Damião amarrado num carrinho de mão e
conduziu-o diretamente para a Casa de Repouso de Guararapes.
Descrição do que a família presenciou durante a visita:
“(...)
nunca vi tanta sujeira, moscas e pessoas entregues ao lixo. Uns
andavam completamente nus; no pátio encontrei Damião, com roupas
limpas, mas quando lhe abracei senti mau cheiro, parecia não fazer
higiene corporal diária. Minha mãe dava agrados a cozinheira para
cuidar de Damião. E levava tudo para ele, até o papel higiênico,
pois o hospital não tinha nada. Não deixei de observar os
ferimentos no corpo dele, principalmente nos joelhos e tornozelos.
Pedi explicação ao funcionário que estava próximo, ele alegou que
havia se ferido numa tentativa de fuga”.
Não
tinha nenhum médico presente no momento que pudesse dar maiores
explicações à família e, após uma semana, Damião recebeu alta.
Seus relatos? Dizia que o pessoal do hospital era ruim, que os
enfermeiros eram os piores, que batiam nos internos... seus
familiares achavam que ele estava com o pensamento confuso (!).
O
comportamento de Damião estava cada vez mais apático... com o
passar do tempo, deixou de tomar seus remédios, não dormia mais e
rejeitava alimentação, o que fez com que seus parentes o levassem
para uma consulta no dia 01 de outubro de 1999, no Hospital
Guararapes, onde chegou às 6hs e, como não havia médicos no
momento, resolveu interná-lo para que recebesse cuidados médicos.
No
dia 04 de outubro de 1999, ao visitá-lo, informaram à Dona
Albertina na portaria que ele não podia receber visitas...
apavorada, Albertina entrou à força na instituição gritando pelo
nome de Damião, que veio ao encontro de seu parente cambaleando, com
as mãos amarradas para trás, roupa toda rasgada com a cueca à
mostra, sujo de sangue, exalando um odor horrível à urina, fezes e
sangue podre. Nas fossas nasais havia bolhas de sangue coagulado,
rosto e corpo com sinais de espancamento, caiu aos pés de sua mãe,
pronunciando apenas as palavras “polícia, polícia, polícia”.
Uma
faxineira contou que presenciou os auxiliares de enfermagem e
monitores do pátio espancarem Damião. Sua mãe, Albertina, pediu
que dessem um banho em Damião e, como ele não conseguia mais se
mover, foi preciso 3 homens para levá-lo para o banho. Pediu, então,
que o Dr. Francisco Ivo de Vasconcelos fosse ver seu filho, pois,
achava que ele ia morrer... resposta de Dr. Ivo?
“Deixa
morrer, todo mundo que nasce morre”. E ainda mandou a Dona
Albertina calar a boca, parar de chorar, porque ele nem assistia
novela porque não gostava de choro. De onde estava, esse
“profissional da saúde pública” receitou um medicamento
injetável e entregou a um enfermeiro que estava ao seu lado para
aplicar em Damião. Não foi ver se o paciente tinha condições de
receber o referido medicamento, não se interessou pelo pedido de
socorro da mãe, não se preocupou com a vida de Damião.
Ao
retornar para ver Damião, encontrou o mesmo nu, deitado de bruços
no chão ao lado da cama, ainda com as mãos amarradas para trás e
foi recomendado que não tocasse em seu filho, pois, ele havia tomado
um remédio para dormir. Foi embora para casa, à 72 km de Sobral
(onde localizava-se a Casa dos Horrores, ops! digo, de “Repouso”)
e, ao chegar, recebeu um telefonema de Guararapes solicitando sua
presença com urgência: Damião estava morto!
Laudo
médico de Dr. Ivo? “Causa mortis NATURAL... parada
cardio-respiratória!
Ao
dar a noticia-crime na delegacia e requisitar laudo pericial, não
adiantou adivinhem? Dr. Ivo TAMBÉM era o médico legista da polícia.
O corpo, portanto, foi enviado ao IML de Fortaleza. Lá, novamente
indignados, a família deparou-se com esta conclusão: “causa
mortis indeterminada e sem elementos para responder”!
A
Casa de Repouso foi desativada pelo governo de Cid Gomes
(relato
disposto no link: http://www.apavv.org.br/casos/D/005.htm)
O
CASO
Em
22 de novembro de 1999, Irene Ximenes Lopes Miranda peticionou à
Comissão Interamericana de Direitos Humanos contra o Estado
Brasileiro.
Caso
n. 12.237
Em
04 de julho de 2006, a Corte Interamericana de Direitos Humanos
divulgou a decisão referente ao caso de Damião, determinando ao
Estado brasileiro:
→
pagamento, no prazo
de um ano, de indenização pecuniária à familiares da vítima por
danos materiais e imateriais;
→
garantia, em prazo
razoável, da conclusão do processo judicial interno, julgando os
responsáveis pela morte de Damião;
→
continuidade do
desenvolvimento de programas de formação e capacitação de
profissionais envolvidos no atendimento à saúde mental.
No
ano de 2008, foi considerado procedente o pedido de indenização por
danos morais, pela 5ª Vara da Comarca de Sobral, que condenou a Casa
de “Repouso” Guararapes, o médico Francisco Ivo de Vasconcelos e
o diretor Sérgio Antunes Ferreira Gomes a pagar R$ 150 mil em
indenização à mãe de Damião, sentença esta que foi confirmada
em 2010 pela 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Ceará.
Recorreram
ao STJ com o intuito de revisar o valor da indenização, o que foi
negado em 05/12/2012:
A
condenação do Brasil na CIDH contribuiu para acelerar o processo de
aprovação da Lei n. 10.216/2001, cuja base é a defesa dos direitos
do paciente mental, a mudança do modelo de assistência em
instituições como a Casa de “Repouso” Guararapes por uma rede
de cuidados aberta e localizada na comunidade e o controle externo da
internação psiquiátrica involuntária, nos termos da Declaração
de Direitos do Paciente Mental da ONU, de 1991. Entre tantas medidas,
surgiu o CAPS – Centro de Apoio Psicossocial em todo o país. Em
Sobra, no Ceará, fundaram o CAPS Damião Ximenes Lopes, em sua
homenagem
(http://sobralagora.blogspot.com.br/2010/07/este-e-o-centro-de-atencao-psicossocial.html).
PROCESSO
CRIMINAL
Em
27 de março de 2000 foram denunciados pelo crime de maus-tratos:
→
Sergio Antunes Ferreira Gomes
→
Carlos Alberto Rodrigues dos Santos
→
André Tavares do Nascimento
→
Maria Salete Moraes de Mesquita
Em
25 de maio de 2000, promotores do Centro de Apoio Operacional dos
Grupos Socialmente Discriminados da PGJ declararam que a denúncia
deveria ser aditada com os seguintes personagens:
→
Francisco Ivo de Vasconcelos
→
Marcelo Messias Barros
→
Maria Verônica Miranda Bezerra
→
José Eliezer Silva Procópio
Apesar
disso, a promotora solicitou o aditamento apenas de Francisco Ivo e
Elias Gomes Coimbra, em 22 de setembro de 2003.
No
ano de 2009, o juízo da comarca de Sobral condenou a 6 (seis) anos
de reclusão pelo crime de maus-tratos seguido de morte, a serem
cumpridos inicialmente em regime semiaberto:
→
Sérgio Antunes Ferreira Gomes (dono da casa de “repouso”)
→
Carlos Alberto Rodrigues dos Santos / Elias Gomes Coimbra / André
Tavares do Nascimento (auxiliares de enfermagem)
→
Maria Salete Moraes Melo de Mesquita (enfermeira-chefe)
→
Francisco Ivo de Vasconcelos (médico de plantão no dia do
ocorrido).
Em
2006, antes mesmo da sentença penal e da sentença cível, o ConJur
noticiou os avanços conseguidos com este caso na OEA. Vale a pena a
leitura.
Resta
torcermos para que nunca mais se repita...
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