Dados
constantes no Relatório n. 77/98, petição de admissibilidade à
Comissão Interamericana de Direitos Humanos – OEA, Caso n. 11.556,
Corumbiara, Brasil – 25 de setembro de 1998.
NARRATIVA
DOS FATOS
“A
Fazenda Santa Elina, situada perto da cidade de Corumbiara, cuja
titularidade se achava em litígio, foi objeto de disputa judicial em
virtude da qual 540 famílias, de maneira organizada e pacífica,
ocuparam a fazenda em 15 de junho de 1995. a titularidade do domínio
era questionada pelo Instituto de Reforma e Colonização Agrária,
que teria emitido parecer favorável à colonização do mesmo. A
despeito disso, o juiz da causa ordenou a devolução da fazenda ao
proprietário.
A
negociação entre a Polícia do Estado de Rondônia e os camponeses
sobre o desalojamento foi complexa. Depois de diálogo em que se
intimou os camponeses a que desocupassem a fazenda, os policias se
retiraram do local. Horas mais tarde, na madrugada de 9 de agosto de
1995, regressaram e procuraram forçar o desalojamento das famílias
ocupantes. Houve então um enfrentamento armado e a alegada repressão
policial. Essa operação teve um saldo de 11 (onze) trabalhadores
rurais e 2 (dois) policiais mortos, 53 (cinquenta e três) feridos e
355 (trezentos e cinquenta e cinco) pessoas detidas. Também foram
denunciados maus-tratos e torturas por parte da polícia após o
incidente. Posteriormente, em 18 de dezembro de 1995, foi apresentado
um aditamento à denúncia referente ao assassinato de um síndico de
Corumbiara, que teria relação com os direitos anteriormente
denunciados”.
*
Relatório posterior diz que o saldo, na verdade, corresponde a 15
trabalhadores rurais, Vanessa dos Santos Silva, de 7 anos de idade
(atingida pelas costas) e 2 policiais mortos.
Síntese
da narrativa dos fatos constantes no Relatório n. 32/04, quanto ao
mérito, de 11 de março de 2004.
Os
peticionários informam que resistiram sim ao despejo, atirando
pedras, paus, acendendo foguetes, porém, negam que tenham a tirado
na polícia, como esta afirma em seu depoimento. Confirmam que, nessa
primeira tentativa, a polícia começou a atirar no grupo de homens,
mulheres e crianças, colocando a vida de todos em risco e apontam
que esta ação deixou o saldo de uma vítima baleada, o trabalhador
Adão Mateus da Silva. Isso aconteceu em 19 de julho de 1995.
O
juiz Roberto Gil, portanto, teria autorizado Vitório Regis Mena
Mendes, o Capitão Mena, a empregar mais policiais para cumprir a
liminar de desocupação, porém, que isso deveria ser feito com
moderação e cautela para que não resultasse em tragédia, como
acontece na maioria dos casos.
Confirmam
a participação dos proprietários da Fazenda Santa Elina, Helio
Pereira de Morais, e da Fazenda São Judas Tadeu, Antenor Duarte, que
pressionaram as autoridades do Poder Executivo e Judiciário do
Estado de Rondônia para que as famílias fossem removidas do local.
Com
o apoio dos agricultores da região, os policiais montaram campana em
uma fazenda próxima à Fazenda Santa Elina e, em torno das 3 horas
da manhã do dia 9 de agosto, deram início a operação policial de
despejo na Santa Elina. Segundo as provas constantes nos autos,
participaram proprietários de terra locais, pistoleiros da região e
policiais, incluindo 3 (três) que se encontravam de férias.
Argumentam
os peticionários que os policiais utilizaram mulheres como escudo
humano e, dessa forma, conseguiram render dois dos trabalhadores que,
armados, resistiam ao despejo e, posteriormente, os executaram.
Algumas das vítimas:
→
José Marcondes da
Silva (50 anos) foi executado quando rendido – a perícia apontou
um tiro à queima-roupa no crânio e outros ferimentos à bala no
abdômen, costas e peito. O exame balístico combinou com as balas
disparadas pelo soldado da PM José Emílio da Silva Evangelista;
→
Ercílio Oliveira
Campos (41 anos), teve o rosto desfigurado por 16 tiros na cabeça,
ombro e braço, a maioria à queima-roupa, conforme exame pericial.
Esses exames corroboram a versão de que José e Ercílio foram
executados após sua rendição;
→
Enio Rocha Borges,
outro trabalhador, morreu em circunstâncias diferentes e não
esclarecidas; chegou vivo ao hospital, vindo a falecer
posteriormente. A perícia não conseguiu esclarecer a natureza das
lesões que causaram sua morte ou a trajetória dos projéteis;
→
Nelci Ferreira (24
anos) foi morto com 2 tiros na parte de trás da cabeça, à
queima-roupa segundo a perícia, quando este ajudava um companheiro
ferido. Não identificaram as armas de onde partiram os disparos;
→
Alcindo Correia da
Silva (52 anos) recebeu um único tiro quando estava ajoelhado. O
projétil percorreu da orelha até o quadril, à queima-roupa. Não
conseguiram identificar a arma de onde partiu. Segundo depoimento de
familiares, um policial usando um capuz preto disparou contra a
cabeça da vítima quando esta estava ajoelhada;
→
Odilon Feliciano foi
atingido por um tiro na parte de trás da cabeça, à queima-roupa. A
perda do projétil não permitiu a identificação dos autores do
tiroteio. Lucídio Cabral de Oliveira (11 anos) disse ter
testemunhado a execução de Odilon: “um policial com o rosto
pintado de preto deu um tiro no pescoço de Odilon”.
→
Ari Pinheiro dos
Santos (33 anos) recebeu 11 tiros, 6 destes à queima-roupa,
destruindo seu rosto e crânio. Das 5 balas retiradas do corpo de
Ari, uma delas foi identificada como disparada por um soldado da PM,
Luiz Carlos de Almeida.
→
Sérgio Rodrigues
Gomes (24 anos) foi preso com outros trabalhadores e levado ao campo
de futebol onde a PM tinha montado sua base, próximo à Fazenda
Santa Elina. Seu corpo foi encontrado em 24 de agosto boiando no rio
Tanuro com 3 fraturas no crânio e face.
Várias
testemunhas que viram Sérgio vivo no acampamento da PM confirmaram
ter visto um policial espancando violentamente alguns desses
trabalhadores, incluindo Sérgio. Como testemunhas: Marcelo Girelli,
Arnaldo Carlos Teco da Silva (prefeito de Corumbiara), Osias Labajo
Garete (jornalista), José Carlos Moreira;
→
uma vítima
identificada como “H-5” recebeu um único tiro no olho direito à
queima-roupa e jogado em um riacho;
→
Darci Nunes do
Nascimento recebeu um tiro por trás da orelha enquanto estava
deitado com o rosto no chão;
Várias
testemunhas sobreviventes e outros passantes confirmaram que, uma vez
no controle da situação, a polícia e outros homens armados
submeteram os trabalhadores, que estavam presos, amarrados e deitados
no chão, a espancamentos, humilhações e tratamento desumano e
degradantes, e que esses trabalhadores ainda forma novamente
espancados na delegacia de polícia do Colorado do Oeste,
obrigando-os a fazer declarações contrárias aos fatos.
No
relatório quanto ao mérito poderão encontrar todos os relatos de
testemunhas, perícias de cada caso e muito mais.
Documento:
http://sdrv.ms/ZYqcfu.
RESULTADO
PROCESSUAL
Os
julgamentos ocorreram nos dias 14, 21, 23, 25, 29 e 31 de agosto de
2000, e 4 e 6 de setembro do mesmo ano. Dos 12 policiais denunciados,
dez foram julgados pelas mortes de José Marcondes da Silva, Ercílio
Oliveira Campos e o desconhecido H-5, resultando na condenação de 3
(três) deles. Dois policiais foram absolvidos – um pela tentativa
de assassinato de Moacir Camargo Ferreira e o oficial que permitiu a
retirada de Sergio Rodrigues Gomes do campo de futebol.
Os
policiais condenados foram:
→
Vitório Regis Mena
Mendes, capital da PM: 19 anos e 6 meses de prisão, em regime
fechado;
→
Daniel da Silva
Furtado, soldado da PM: 16 anos;
→
Airton Ramos de
Morais, soldado da PM: 18 anos.
Todos
tiveram direito a um novo julgamento.
A
pedido do promotor Tarcísio Leite Matos, dois oficiais e um soldado
foram absolvidos. Entre suas declarações, disse que “ou o Brasil
acaba com os sem-terra ou os sem-terra acabam com o Brasil”, foi
afastado pelo Ministério Público (quando penso que já ouvi de
tudo...).
Nenhum
policial militar, nem qualquer outra autoridade, nem os fazendeiros
envolvidos, nem seus pistoleiros, foram processados ou condenados
pela morte da menina Vanessa, nem pela dos demais trabalhadores,
ocorridas em decorrência dos fatos.
Também
não foi devidamente investigada a alegada cremação de corpos, nem
o denunciado desaparecimento do trabalhador Darli Martins Pereira. O
bispo de Guajará Mirim, Dom Geraldo Verdier, recolheu amostras de
ossos calcinados em fogueiras do acampamento e enviou à Faculté de
Médicine Paris-Oeste, que confirmou a cremação de corpos humanos
no acampamento da fazenda.
Os
trabalhadores condenados em 26 de agosto de 2000, pelo 1º Tribunal
do Júri de Porto Velho/RO, por homicídio simples do tenente Rubens
Fidélis e do soldado Ronaldo de Souza e por manter em cárcere
privado os invasores da Fazenda Santa Elina, bem como a 2 meses de
detenção em regime semiaberto por resistir ao mandado judicial de
desocupação da fazenda, foram:
→
Claudemir Gilberto
Ramos, 27 anos na época, condenado à 8 anos e 6 meses de prisão;
→
Cícero Pereira
Leite Neto, 42 anos na época, condenado à 6 anos e 2 meses.
Por
serem primários e não terem antecedentes criminais puderam
permanecer em liberdade até o julgamento do recurso apresentado por
sua defesa.
Pasmem:
o Ministério Público alegou que, embora não houvesse provas
técnicas, mas por serem líderes da invasão, Cícero e Claudemir
tiveram participação nas mortes: os sem-terra tinham espingardas.
No
entanto, ao contrário do que os laudos necroscópicos feitos nos
corpos dos sem-terra comprovaram (execuções sumárias, à
queima-roupa, espancamentos, etc.), resultando em inúmeras
absolvições de policiais, o processo contra os trabalhadores
sem-terra não apontava qualquer indício técnico de que eles
tivessem atirado contra os PPMM, nem sequer que as armas que
dispararam os projéteis encontrados nos corpos das vítimas foram
identificadas. O recurso foi fundamentado por ter sido o resultado
“manifestamente contrário à prova dos autos”.
PERDA
DE PATENTE
Através
do Decreto n. 16.721, de 4 de maio de 2012, o governador Confúcio
Moura cassou o posto e a patente de oficial da PM de Rondônia do
major Vitório Régis Mena Mendes, que foi subcomandante do
grupamento de policiais militares na chacina de Corumbiara, em 1995.
O
Ministério Público foi autor do pedido da perda da patente bem como
da declaração de inconstitucionalidade da EC n. 23/2001 e a
suspensão imediata de todo e qualquer pagamento dos proventos da
reserva remunerada para a qual ele foi, segundo o MP, “indevidamente
transferido”. No entanto, os desembargadores da 1ª Câmara
decidiram, por maioria, que apesar da gravidade do caso, o oficial
teve uma vasta folha de serviços oferecidos ao Estado e, desde sua
condenação, nunca esteve envolvido em outra transgressão, no lapso
temporal de 10 anos.
ANISTIA
No
dia 24 de abril de 2013, a Comissão de Constituição e Justiça e
Cidadania aprovou a proposta constante no Projeto de Lei n.
2000/2011, de autoria do Deputado João Paulo Cunha (PT-SP), que
concede anistia aos trabalhadores rurais e policiais militares
punidos no episódio de Corumbiara.
Inicialmente,
a proposta era apenas para os trabalhadores rurais, mas o relator da
proposta, Deputado Vieira da Cunha (PDT-RS) incluiu os policiais
militares, após a manifestação de outros parlamentares, sob o
argumento de que a “anistia deve ser ampla e irrestrita”. No dia
02 de maio, o site da Câmara noticiou estar analisando a proposta.
Reflexões:
→
se a ação é
legítima e legal, não me parece razoável policiais darem apoio à
desocupação de terras encapuzados e às 3 horas da manhã.
→
armas de defesa dos
sem-terra: 2 revólveres – um calibre 38 e outro 22, espingardas
velhas usadas para caça e ferramentas de trabalho, inclusive
motosserras, emprestadas por quem queria ajudar;
→
armas da PM –
somente dos policiais do 3º BPM foram: 175 revólveres calibre 38,
12 escopetas calibre 12, 5 metralhadoras de 9mm, 4 pistolas, 5
mosquetes calibre 7,32, e 5 carabinas. Isso sem contar com as armas
do COE, os PPMM que estavam de férias e as armas e munições dos
jagunços e da chamada “PM2”. Somente parte das armas da PM foram
submetidas à perícia, e só 3 provas de balística foram positivas
(que incrível!).
Fonte: notícias em sites da internet e relatório da OEA.
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