sexta-feira, 19 de julho de 2013

DIA DO LINCHAMENTO - Umuarama/PR (1986) - 8ª edição


Desde que comecei com esta série, este, embora seja o mais curto relato que vou escrever, foi o que me causou maior indignação até o momento. Não que o episódio tenha sido “mais terrível” do que os outros... não foi. Mas pelo desfecho que teve.

Por muitas vezes, minhas aspirações e posicionamentos acerca da aplicação do Direito, da realização de “justiça”, levam muitos a crer que defendo criminosos ou qualquer absurdo parecido com este. Isso está longe de condizer com a verdade. O que defendo é a igualdade de aplicação do Direito, o ordenamento jurídico brasileiro como um todo, PARA TODOS, e não apenas para uma gama privilegiada.

Tenho quase certeza – digo “quase” porque é perigoso o uso de palavras inflexíveis como “absoluta”, enfim – que se certos criminosos fizessem parte desta mesma gama privilegiada, os episódios teriam um curso diferente, seja quanto ao próprio acontecimento em si, seja quanto ao andamento processual.

Justamente minha indignação comprova que, embora “defensora dos direitos humanos”, classe amplamente apedrejada nos dias de hoje, repudio completamente, tenho ojeriza e nojo em relação ao desfecho deste caso.

Imagino que alguns poderão pensar “mas é claro que ela não gostou do desfecho... ninguém foi punido por matar os 'coitadinhos'!” – pois, as vítimas deste caso eram marginais. Mas, digo-lhes uma coisa: e se você não soubesse exatamente o que um ente querido seu estivesse fazendo pelas ruas, e caísse este nas amarras da lei pelo descumprimento de nossas normas penais, você desejaria a retirada de todos os seus direitos ou, melhor (ou pior): seu apedrejamento e morte?

Na melhor das hipóteses, o que já vimos algumas vezes na mídia, são pais que entregam seus filhos que cometeram crimes para serem processados e julgados. APLAUSOS! ESTE é o verdadeiro ensinamento ao criminoso e demonstração de repúdio ao ato por este cometido. Este ingressa no crime e não faz vítimas somente pessoas alheias ao seu convívio mas, além de receber o estigma social, (infelizmente) também o recebe seus familiares que, por isso, sofrem duas, senão, várias vezes.

Sem mais delongas, vamos ao caso...


CONTEXTO FÁTICO

Na madrugada do dia 20 de dezembro de 1986 – um sábado – três indivíduos, Luiz Iremar Gonfio (19), Edivaldo Xavier de Almeida (20) e Aurico Reis (18), sequestraram o casal Shirley do Nascimento (22) e seu noivo, o fotógrafo Júlio César Jarros (26), na porta da casa de Shirley. Fora da cidade, estupraram Shirley e mataram a tiros seu noivo, Júlio.

Quinze horas depois, na manhã do domingo, 21 de dezembro, as emissoras de Umuarama noticiavam a prisão dos rapazes, notícia recebida com entusiasmo pela população, o que logo foi substituído por um desejo de vingança frente a uma atitude de Edivaldo, durante a reconstituição do fato.

Neste mesmo domingo, no decorrer do dia, os rapazes confessaram o crime durante o interrogatório e foram conduzidos pelas autoridades ao local do crime para reconstituição. Quando a polícia indagou Edivaldo sobre a forma como matara o fotógrafo, ele disse ironicamente: “Por que não me dão um revólver carregado?”.

Na noite de segunda-feira, 21 de dezembro de 1986, segundo relatos, cerca de 2 mil pessoas cercaram a cadeia de Umuarama, venceram a resistência policial e arrebataram os três, sendo assassinados a pauladas, seus corpos arrastados por quilômetros pela Avenida Paraná e levados para a praça Miguel Rossafa, onde foram molhados com gasolina e queimados.

                                                                Aurico, Edivaldo e Luiz



Segundo o Secretário de Segurança Pública do Paraná na época, Jesus Sarrao, que condenou o linchamento, os policiais encontravam-se diante de um impasse: ou metralhavam a população, ou limitavam-se a persuadir a multidão a não fazer aquilo – o que tentaram fazer sem sucesso.


O FATO

(relato encontrado na revista Veja, edição 956, de 31 de dezembro de 1986)
Na noite de 22 de dezembro de 1986, um grupo de pessoas não identificadas marchou para a delegacia pedindo a adesão de todos que encontrava pelo caminho. Ao chegar diante da cadeia, a multidão crescera a tal ponto que os 30 homens da PM e a meia dúzia de agentes da Polícia Civil, ali postados para guardar os presos, deram brandos sinais de resistência. Entregues à própria fúria, os participantes do linchamento amarraram os corpos dos mortos em automóveis e os arrastaram num cortejo que atraiu para as janelas e calçadas mais de 5 mil pessoas. O desfile foi aplaudido. A cada esquina aumentava o coro: “Queima, queima” (…). Foi o que se fez em seguida, com a ajuda de 1 litro de gasolina e uma caixa de fósforos, além de alguns pneus para manter as chamas vivas por um tempo.

Declaração do delegado Luiz Norberto Canhoto, responsável pelas investigações na época: “Talvez demore a identificação, mas os envolvidos vão responder por homicídio e arrebatamento de presos”.

No vídeo, é possível ver o momento em que os corpos são arrastados pela cidade e queimados em praça pública sob os aplausos da população.



INFORMAÇÕES SOBRE O POST FACTUM

(únicas notícias encontradas sobre o caso)
Os incitadores, após seu reconhecimento, foram processados por “arrebatamento de preso” e “vilipêndio a cadáver”, em 1987, e, conjectura-se que por não ser possível apurar quem realmente matou os presos arrebatados – pois, centenas foram os invasores do “cadeião” – ninguém respondeu por homicídio.

O processo correu na comarca de Umuarama e, sem chegar a lugar algum, cansou. Passados 20 anos do crime consumado, sem transitar em julgado a sentença final – se é que houve alguma, extinguiu-se a punibilidade para os réus e o processo foi arquivado.

Esse foi o desfecho deste caso... sem mais!


Fonte: Veja - Lobservando - Portal PGF

Um comentário:

  1. Era criança quando isso aconteceu mas me lembro bem, infelizmente aconteceu na cidade onde eu morava, que Deus nos abençoe!

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