sexta-feira, 12 de julho de 2013

MASSACRE DE ELDORADO DOS CARAJÁS - Eldorado dos Carajás/PA (1996) - 6ª edição


Dia 17 de abril de 1996. Acontecia um protesto do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na estrada, próximo ao local conhecido como “curva do S”, na rodovia PA-150. Naquela região os protestantes montaram acampamento, bloqueando a estrada. A partir de então, sucederam acontecimentos que desencadearam o que ficou conhecido como o “Massacre de Eldorado dos Carajás”.

Os manifestantes se dirigiam à Belém para exigir o cumprimento de um acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e o Governo do Estado do Pará, que pretendia expropriar uma fazenda (Fazenda Macaxeira). No momento em que se encontravam acampados, exigiam que as autoridades lhes fornecessem transporte e alimentação para que pudessem chegar ao seu destino, pois, seus recursos eram escassos e integravam o comboio também mulheres e crianças.

Segundo a denúncia feita à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, cerca de 155 policiais militares cercaram os trabalhadores pelos dois lados da rodovia e deram início aos disparos, matando 19 trabalhadores, onde 6 deles foram assassinados com os disparos iniciais e 13 executados sumariamente após a desobstrução da estrada, não podendo fugir devido aos ferimentos provocados pelos disparos. Outros 69 trabalhadores ficaram gravemente feridos e dezenas de outros sofreram ferimentos leves. (Ver link para o Caso n. 11.820: http://sdrv.ms/118Yht3).

Infográfico Revista Veja

Manchete Revista Veja



DADOS PROCESSUAIS

Segundo informações, no dia do massacre, os corpos foram retirados do local antes da chegada da perícia; não foram realizados exames de resíduos de pólvora nas mãos dos policiais militares para verificar quem havia efetuado disparos e sequer foram recolhidas as armas dos policiais para averiguação de qual arma e sob o poder de qual policial urge a responsabilidade pela morte de cada um dos 19 trabalhadores vitimados. Ademais, os policiais militares saíram de seus batalhões sem as identificações que deveriam ostentar em suas fardas. Por quê será?

Conta-se que o governador Almir Gabriel exigia a liberação da estrada “de qualquer maneira”; a ordem para a ação partiu do Secretário de Segurança do Pará, Paulo Sette Câmara, para que os policiais “usassem da força necessária, inclusive atirar”.

Segundo dados do legista Nelson Massini, 10 sem-terra foram executados à queima-roupa, e 7 foram mortos por instrumentos cortantes, como foices e facões.

O governador ordenou a prisão domiciliar do comandante da PM do Pará, Mário Colares Pantoja, que logo depois foi liberado, porém, perdeu o comando do batalhão de Marabá.

Na mesma noite do acontecido, o Ministro da Agricultura, Andrade Vieira, pediu demissão, sendo substituído pelo então senador, Arlindo Porto.

Uma semana depois do massacre, o governo federal criou o Ministério da Reforma Agrária, indicando o então presidente do Ibama, Raul Jungman, para o cargo de Ministro.

José Gregori, chefe do gabinete do então Ministro da Justiça, Nelson Jobim, declarou que “o réu desse crime é a polícia, que teve um comandante que agiu de forma inadequada, como jamais poderia ter agido”, ao avaliar o vídeo do confronto.

O presidente Fernando Henrique Cardoso determinou que as tropas do exército ocupassem a região em 19 de abril daquele ano para coibir a escalada de violência, e pediu a prisão imediata dos responsáveis pelo massacre.

Em maio de 1996, o fazendeiro Rizardo Marcondes de Oliveira, de 30 anos, em depoimento, responsabilizou o dono da fazenda Macaxeira pela matança, acusando-o de ter pago propina para que a PM matasse os líderes dos sem-terra, e que teria sido procurado para contribuir com a coleta. O dinheiro seria entregue ao coronel Pantoja. Nenhum fazendeiro ou jagunço foi indiciado no inquérito da polícia.

Cento e cinquenta e cinco policiais militares foram indiciados, mas falhas nas investigações (como demonstrado no início da narrativa dos dados processuais) impossibilitaram a individualização das condutas.

Segundo o Procurador-Geral da República, Geraldo Brindeiro, o governador Almir Gabriel autorizou a desobstrução da estrada e que, portanto, tinha conhecimento da operação.

No final de 1996, o processo que havia sido desdobrado em 2 volumes, estava parado no Tribunal de Justiça de Belém – que trata dos crimes de lesões corporais – e no Fórum de Curionópolis – que se encarregou dos homicídios.

O juiz Ronaldo Valle, presidente dos primeiros julgamentos realizados pelo Tribunal do Júri de Belém/PA, em agosto de 1999, deixou que ocorressem inúmeras violações ao procedimento legal, tendo como mais grave a permissão para que um dos jurados manifestasse em público, durante a sessão, sua opinião sobre a ausência de culpa dos policiais pelo massacre.

Ao final da primeira sessão que levou a julgamento os comandantes do massacre, com evidente interesse em prejudicar a compreensão dos jurados, o juízo formulou de forma confusa as perguntas a eles dirigidas, culminando na absolvição do coronel Mário Colares Pantoja, do major José Maria Pereira de Oliveira e do capitão Raimundo Almandra Lameira.

No ano 2000, em razão dessas nulidades, o Tribunal de Justiça do Pará ANULOU o julgamento, o juiz Ronaldo Valle pediu afastamento do caso e, dentre os 18 juízes da Comarca de Belém, 17 declararam-se impedidos de presidir o julgamento, alegando serem favoráveis aos policiais e contrários ao MST (sinceridade à flor da pele!).

Aceitou presidir o julgamento sob a alegação pública de não temer o MST, a juíza Eva do Amaral Coelho marcou nova sessão de julgamento dos comandantes para o mês de julho de 2001, determinando que fosse retirada do processo a principal prova da acusação, um laudo do perito Ricardo Molina, da Universidade de Campias, demonstrando que os primeiros disparos foram feitos pela PM, e não pelos sem-terra.

O Ministério Público e os assistentes de acusação se insurgiram contra essa determinação, o júri foi adiado para o mês de maio de 2002 e houve determinação do afastamento da juíza.

Indicado o juiz Roberto Moura para presidir o caso, este decidiu por julgar, em apenas cinco sessões, 144 policiais militares, e houve inúmeras denúncias de testemunhas que sofreram ameaças.

Ao final dos julgamentos, apenas o coronel Pantoja e o major Oliveira foram pronunciados como incursos no artigo 121, §2º, incisos III e IV (dezenove vezes) c/c o artigo 29, ambos do Código Penal. Condenados, receberam, respectivamente, penas de 228 anos e 158 anos e 4 meses de prisão, em regime inicialmente fechado e, como ambos responderam soltos ao processo, obtiveram o benefício de recorrer em liberdade – que foi denegada (link para a Apelação n. 54.779 - novembro/2004: http://sdrv.ms/10xkj56).

Como com esse acórdão denegatório o Tribunal de Justiça do Pará determinou a imediata execução da pena, os réus impetraram habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça – ver HC n. 39.912 - maio/2005 (http://sdrv.ms/XWzYum) e HC n. 41.702 - maio/2005 (http://sdrv.ms/XWA8li) – ambos denegados.

Interpuseram também o REsp n. 818.815/PA (link para o acórdão – agosto/2009: http://sdrv.ms/16lJKcT) em face da decisão denegatória da apelação interposta junto ao TJ do Pará e com o objetivo de que fosse realizado novo julgamento, o que lhes foi denegado. Desta decisão, interpuseram ainda embargos de declaração e embargos de divergência.

Novamente, propuseram, junto ao STF, o HC n. 86.274 (link para o acórdão – setembro/2005: http://sdrv.ms/XWCnVQ), que determinou a expedição de alvará de soltura.

Sendo assim, interpuseram, junto ao Supremo Tribunal Federal, Agravo de Instrumento n. 565.627 contra decisão que indeferiu o prosseguimento de um recurso extraordinário interposto contra decisão do Tribunal de Justiça do Pará (link para o agravo - março/2009: http://sdrv.ms/14Dzpwv).

Ainda em face da decisão do REsp n. 818.815, interpuseram o HC n. 112.751 no STF, de modo que este decidiu não haver ilegalidade na decisão do STJ, determinando a baixa nos autos, independente do trânsito em julgado, especialmente devido o abuso do direito de recorrer – como há de se convir desde simples relato e pode ser conferido na leitura dos acórdãos aqui especificados – e que de modo algum isso poderia servir de justificativa para a prisão dos réus antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, concedendo a ordem para garantir a liberdade dos mesmos até que este aconteça (link para o acórdão – março/2012: http://sdrv.ms/YuMHIh).




NOTÍCIAS RECENTES

Em 7 de maio de 2012, cerca de 10 anos após a condenação e depois de perder todos os recursos judiciais para anular a sentença, o coronel Pantoja e o major Pereira de Oliveira teriam de cumprir a pena em regime fechado (execução de sentença do major Oliveira – http://sdrv.ms/Zz316z – execução de sentença do coronel Pantoja – http://sdrv.ms/Zz3cPf).

Pantoja se apresentou espontaneamente no Centro de Recuperação Especial Anastácio das Neves, uma penitenciária para policiais e ex-policiais localizada em Santa Isabel, a 45 km de Belém.

Major Oliveira não se apresentou à época alegando não ter sido notificado pelo juízo da Primeira Vara do Tribunal do Júri de Belém, Dr. Edmar Pereira.

Até esse dia, segundo seu defensor, Dr. Arnaldo Gama, havia uma decisão do Ministro Félix Fischer, do STJ, que ainda não fora publicada e, portanto, não havia trânsito em julgado, cabendo recurso.

O processo contra os militares transitou em julgado em abril de 2012 e o STJ determinou que a sentença fosse imediatamente cumprida.

Pantoja, ao apresentar-se na penitenciária, disse lamentar a ausência do governador no processo que o condenou, pois, este exigiu que a estrada fosse desbloqueada “de qualquer maneira”, o que sustentou em seu julgamento.

O ex-governador, por sua vez, alega que a PM tinha, à época, plena autonomia para tomar decisões. O coronel Fabiano Lopes, comandante-geral na época, não foi indiciado. Pantoja e Oliveira ficaram sozinhos no episódio.

Em 2007, o governo do Pará, diante das inúmeras ações e protestos, assinou decreto que indeniza as vítimas do massacre, estabelecendo também algumas pensões vitalícias, atitude esta que antecipou as indenizações solicitadas na justiça. O valor alcançou cerca de R$ 1,2 milhão. A governadora Ana Júlia Carepa, que assinou o decreto, classificou o episódio de Eldorado dos Carajás “um dos episódios que mais envergonhou não só o Pará diante do Brasil, mas o Pará diante do mundo”.

Veiculam notícias de que Pantoja ingressou em 13 de dezembro de 2012 com um pedido de prisão domiciliar para trata uma cardiopatia grave e necessita de cuidados especiais.

Em 19 de fevereiro de 2013, o ex-governador do Estado do Pará, Almir Gabriel faleceu.

O monumento Eldorado Memória, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer para lembrar as vítimas do massacre dos sem-terra, inaugurado no dia 7 de setembro de 1996, em Marabá, foi destruído pouco depois. Um dos líderes dos sem-terra do sul do Pará afirmou que a destruição foi encomendada pelos fazendeiros da região.

Oscar Niemeyer disse que já esperava por isso: “aconteceu o mesmo quando levantamos o monumento em homenagem aos operários mortos pelo exército, na ocupação da CSN, em Volta Redonda, no Rio de Janeiro”.

Todo ano, desde o massacre, acontece na curva do S – local do massacre – um acampamento realizado por jovens do MST, coordenado pela direção estadual do movimento, com o objetivo de lembrar e denunciar a violência contra os camponeses, bem como construir a formação política e nutrir os sonhos e desejos da juventude.

Em todos os dias de acampamento, eles param os dois sentidos da rodovia, por volta da 17 hs, e realizam um protesto cultural, em memória dos que ali foram mortos, atividade conhecida como “Abril Vermelho”.

Com a sanção da Lei n. 10.469, de 25 de junho de 2002, o então presidente Fernando Henrique Cardoso institui o dia 17 de abril como “Dia Nacional da Luta pela Reforma Agrária”.


Fonte: sites de notícias - Revista Veja - Tribunal de Justiça do Pará

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