Dia
17 de abril de 1996. Acontecia um protesto do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na estrada, próximo ao local
conhecido como “curva do S”, na rodovia PA-150. Naquela região
os protestantes montaram acampamento, bloqueando a estrada. A partir
de então, sucederam acontecimentos que desencadearam o que ficou
conhecido como o “Massacre de Eldorado dos Carajás”.
Os
manifestantes se dirigiam à Belém para exigir o cumprimento de um
acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA) e o Governo do Estado do Pará, que pretendia expropriar uma
fazenda (Fazenda Macaxeira). No momento em que se encontravam
acampados, exigiam que as autoridades lhes fornecessem transporte e
alimentação para que pudessem chegar ao seu destino, pois, seus
recursos eram escassos e integravam o comboio também mulheres e
crianças.
Segundo
a denúncia feita à Comissão Interamericana de Direitos Humanos,
cerca de 155 policiais militares cercaram os trabalhadores pelos dois
lados da rodovia e deram início aos disparos, matando 19
trabalhadores, onde 6 deles foram assassinados com os disparos
iniciais e 13 executados sumariamente após a desobstrução da
estrada, não podendo fugir devido aos ferimentos provocados pelos
disparos. Outros 69 trabalhadores ficaram gravemente feridos e
dezenas de outros sofreram ferimentos leves. (Ver link para o Caso n.
11.820: http://sdrv.ms/118Yht3).
Infográfico Revista Veja
Manchete Revista Veja
DADOS
PROCESSUAIS
Segundo
informações, no dia do massacre, os corpos foram retirados do local
antes da chegada da perícia; não foram realizados exames de
resíduos de pólvora nas mãos dos policiais militares para
verificar quem havia efetuado disparos e sequer foram recolhidas as
armas dos policiais para averiguação de qual arma e sob o poder de
qual policial urge a responsabilidade pela morte de cada um dos 19
trabalhadores vitimados. Ademais, os policiais militares saíram de
seus batalhões sem as identificações que deveriam ostentar em suas
fardas. Por quê será?
Conta-se
que o governador Almir Gabriel exigia a liberação da estrada “de
qualquer maneira”; a ordem para a ação partiu do Secretário de
Segurança do Pará, Paulo Sette Câmara, para que os policiais
“usassem da força necessária, inclusive atirar”.
Segundo
dados do legista Nelson Massini, 10 sem-terra foram executados à
queima-roupa, e 7 foram mortos por instrumentos cortantes, como
foices e facões.
O
governador ordenou a prisão domiciliar do comandante da PM do Pará,
Mário Colares Pantoja, que logo depois foi liberado, porém, perdeu
o comando do batalhão de Marabá.
Na mesma
noite do acontecido, o Ministro da Agricultura, Andrade Vieira, pediu
demissão, sendo substituído pelo então senador, Arlindo Porto.
Uma
semana depois do massacre, o governo federal criou o Ministério da
Reforma Agrária, indicando o então presidente do Ibama, Raul
Jungman, para o cargo de Ministro.
José
Gregori, chefe do gabinete do então Ministro da Justiça, Nelson
Jobim, declarou que “o réu desse crime é a polícia, que teve um
comandante que agiu de forma inadequada, como jamais poderia ter
agido”, ao avaliar o vídeo do confronto.
O
presidente Fernando Henrique Cardoso determinou que as tropas do
exército ocupassem a região em 19 de abril daquele ano para coibir
a escalada de violência, e pediu a prisão imediata dos responsáveis
pelo massacre.
Em maio
de 1996, o fazendeiro Rizardo Marcondes de Oliveira, de 30 anos, em
depoimento, responsabilizou o dono da fazenda Macaxeira pela matança,
acusando-o de ter pago propina para que a PM matasse os líderes dos
sem-terra, e que teria sido procurado para contribuir com a coleta. O
dinheiro seria entregue ao coronel Pantoja. Nenhum fazendeiro ou
jagunço foi indiciado no inquérito da polícia.
Cento e
cinquenta e cinco policiais militares foram indiciados, mas falhas
nas investigações (como demonstrado no início da narrativa dos
dados processuais) impossibilitaram a individualização das
condutas.
Segundo o
Procurador-Geral da República, Geraldo Brindeiro, o governador Almir
Gabriel autorizou a desobstrução da estrada e que, portanto, tinha
conhecimento da operação.
No final
de 1996, o processo que havia sido desdobrado em 2 volumes, estava
parado no Tribunal de Justiça de Belém – que trata dos crimes de
lesões corporais – e no Fórum de Curionópolis – que se
encarregou dos homicídios.
O juiz
Ronaldo Valle, presidente dos primeiros julgamentos realizados pelo
Tribunal do Júri de Belém/PA, em agosto de 1999, deixou que
ocorressem inúmeras violações ao procedimento legal, tendo como
mais grave a permissão para que um dos jurados manifestasse em
público, durante a sessão, sua opinião sobre a ausência de culpa
dos policiais pelo massacre.
Ao final
da primeira sessão que levou a julgamento os comandantes do
massacre, com evidente interesse em prejudicar a compreensão dos
jurados, o juízo formulou de forma confusa as perguntas a eles
dirigidas, culminando na absolvição do coronel Mário Colares
Pantoja, do major José Maria Pereira de Oliveira e do capitão
Raimundo Almandra Lameira.
No ano
2000, em razão dessas nulidades, o Tribunal de Justiça do Pará
ANULOU o julgamento, o juiz Ronaldo Valle pediu afastamento do caso
e, dentre os 18 juízes da Comarca de Belém, 17 declararam-se
impedidos de presidir o julgamento, alegando serem favoráveis aos
policiais e contrários ao MST (sinceridade à flor da pele!).
Aceitou
presidir o julgamento sob a alegação pública de não temer o MST,
a juíza Eva do Amaral Coelho marcou nova sessão de julgamento dos
comandantes para o mês de julho de 2001, determinando que fosse
retirada do processo a principal prova da acusação, um laudo do
perito Ricardo Molina, da Universidade de Campias, demonstrando que
os primeiros disparos foram feitos pela PM, e não pelos sem-terra.
O
Ministério Público e os assistentes de acusação se insurgiram
contra essa determinação, o júri foi adiado para o mês de maio de
2002 e houve determinação do afastamento da juíza.
Indicado
o juiz Roberto Moura para presidir o caso, este decidiu por julgar,
em apenas cinco sessões, 144 policiais militares, e houve inúmeras
denúncias de testemunhas que sofreram ameaças.
Ao final
dos julgamentos, apenas o coronel Pantoja e o major Oliveira foram
pronunciados como incursos no artigo 121, §2º, incisos III e IV
(dezenove vezes) c/c o artigo 29, ambos do Código Penal. Condenados,
receberam, respectivamente, penas de 228 anos e 158 anos e 4 meses de
prisão, em regime inicialmente fechado e, como ambos responderam
soltos ao processo, obtiveram o benefício de recorrer em liberdade –
que foi denegada (link para a Apelação n. 54.779 - novembro/2004:
http://sdrv.ms/10xkj56).
Como com
esse acórdão denegatório o Tribunal de Justiça do Pará
determinou a imediata execução da pena, os réus impetraram habeas
corpus no Superior Tribunal de Justiça – ver HC n. 39.912 -
maio/2005 (http://sdrv.ms/XWzYum)
e HC n. 41.702 - maio/2005 (http://sdrv.ms/XWA8li)
– ambos denegados.
Interpuseram
também o REsp n. 818.815/PA (link para o acórdão – agosto/2009:
http://sdrv.ms/16lJKcT)
em face da decisão denegatória da apelação interposta junto ao TJ
do Pará e com o objetivo de que fosse realizado novo julgamento, o
que lhes foi denegado. Desta decisão, interpuseram ainda embargos de
declaração e embargos de divergência.
Novamente,
propuseram, junto ao STF, o HC n. 86.274 (link para o acórdão –
setembro/2005: http://sdrv.ms/XWCnVQ),
que determinou a expedição de alvará de soltura.
Sendo
assim, interpuseram, junto ao Supremo Tribunal Federal, Agravo de
Instrumento n. 565.627 contra decisão que indeferiu o prosseguimento
de um recurso extraordinário interposto contra decisão do Tribunal
de Justiça do Pará (link para o agravo - março/2009:
http://sdrv.ms/14Dzpwv).
Ainda em
face da decisão do REsp n. 818.815, interpuseram o HC n. 112.751 no
STF, de modo que este decidiu não haver ilegalidade na decisão do
STJ, determinando a baixa nos autos, independente do trânsito em
julgado, especialmente devido o abuso do direito de recorrer – como
há de se convir desde simples relato e pode ser conferido na leitura
dos acórdãos aqui especificados – e que de modo algum isso
poderia servir de justificativa para a prisão dos réus antes do
trânsito em julgado da sentença condenatória, concedendo a ordem
para garantir a liberdade dos mesmos até que este aconteça (link
para o acórdão – março/2012: http://sdrv.ms/YuMHIh).
NOTÍCIAS
RECENTES
Em 7 de
maio de 2012, cerca de 10 anos após a condenação e depois de
perder todos os recursos judiciais para anular a sentença, o coronel
Pantoja e o major Pereira de Oliveira teriam de cumprir a pena em
regime fechado (execução de sentença do major Oliveira –
http://sdrv.ms/Zz316z
– execução de sentença do coronel Pantoja –
http://sdrv.ms/Zz3cPf).
Pantoja
se apresentou espontaneamente no Centro de Recuperação Especial
Anastácio das Neves, uma penitenciária para policiais e
ex-policiais localizada em Santa Isabel, a 45 km de Belém.
Major
Oliveira não se apresentou à época alegando não ter sido
notificado pelo juízo da Primeira Vara do Tribunal do Júri de
Belém, Dr. Edmar Pereira.
Até esse
dia, segundo seu defensor, Dr. Arnaldo Gama, havia uma decisão do
Ministro Félix Fischer, do STJ, que ainda não fora publicada e,
portanto, não havia trânsito em julgado, cabendo recurso.
O
processo contra os militares transitou em julgado em abril de 2012 e
o STJ determinou que a sentença fosse imediatamente cumprida.
Pantoja,
ao apresentar-se na penitenciária, disse lamentar a ausência do
governador no processo que o condenou, pois, este exigiu que a
estrada fosse desbloqueada “de qualquer maneira”, o que sustentou
em seu julgamento.
O
ex-governador, por sua vez, alega que a PM tinha, à época, plena
autonomia para tomar decisões. O coronel Fabiano Lopes,
comandante-geral na época, não foi indiciado. Pantoja e Oliveira
ficaram sozinhos no episódio.
Em 2007,
o governo do Pará, diante das inúmeras ações e protestos, assinou
decreto que indeniza as vítimas do massacre, estabelecendo também
algumas pensões vitalícias, atitude esta que antecipou as
indenizações solicitadas na justiça. O valor alcançou cerca de R$
1,2 milhão. A governadora Ana Júlia Carepa, que assinou o decreto,
classificou o episódio de Eldorado dos Carajás “um dos episódios
que mais envergonhou não só o Pará diante do Brasil, mas o Pará
diante do mundo”.
Veiculam
notícias de que Pantoja ingressou em 13 de dezembro de 2012 com um
pedido de prisão domiciliar para trata uma cardiopatia grave e
necessita de cuidados especiais.
Em 19 de
fevereiro de 2013, o ex-governador do Estado do Pará, Almir Gabriel
faleceu.
O
monumento Eldorado Memória, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer
para lembrar as vítimas do massacre dos sem-terra, inaugurado no dia
7 de setembro de 1996, em Marabá, foi destruído pouco depois. Um
dos líderes dos sem-terra do sul do Pará afirmou que a destruição
foi encomendada pelos fazendeiros da região.
Oscar
Niemeyer disse que já esperava por isso: “aconteceu o mesmo quando
levantamos o monumento em homenagem aos operários mortos pelo
exército, na ocupação da CSN, em Volta Redonda, no Rio de
Janeiro”.
Todo ano,
desde o massacre, acontece na curva do S – local do massacre – um
acampamento realizado por jovens do MST, coordenado pela direção
estadual do movimento, com o objetivo de lembrar e denunciar a
violência contra os camponeses, bem como construir a formação
política e nutrir os sonhos e desejos da juventude.
Em todos
os dias de acampamento, eles param os dois sentidos da rodovia, por
volta da 17 hs, e realizam um protesto cultural, em memória dos que
ali foram mortos, atividade conhecida como “Abril Vermelho”.
Com a
sanção da Lei n. 10.469, de 25 de junho de 2002, o então
presidente Fernando Henrique Cardoso institui o dia 17 de abril como
“Dia Nacional da Luta pela Reforma Agrária”.
Fonte: sites de notícias - Revista Veja - Tribunal de Justiça do Pará
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