Dia
17 de março de 2008 – um anônimo ligou para a Delegacia de
Proteção à Criança e ao Adolescente, de Goiânia, às 9h30min:
“Fiquei sabendo que tem uma criança acorrentada no apartamento 401
do prédio Antônio Nascimento, no Setor Marista”.
Bairro
de classe média alta, dois agentes – um homem e uma mulher –
foram enviados ao local e, pouco depois das 10h, entraram no
apartamento indicado, uma cobertura duplex, acompanhados do porteiro
e de dois moradores como testemunhas... ninguém acreditava na
informação.
Segundo
os policiais, a porta do apartamento estava encostada e, ao entrar,
avistaram de pronto a empregada Vanice Maria Novais, que disse não
saber de nenhuma criança acorrentada. Mediante a insistência dos
policiais, ela acabou cedendo: “A menina está lá em cima”.
Ferramentas de Silvia |
No
andar por onde entraram ficava a cozinha e uma sala de TV; os
policiais subiram a escada para o andar de cima, onde há dois
quartos, sala e lavanderia, cuja porta estava trancada... bateram,
chamaram, ninguém respondeu. Nesse momento, surgiu Tiago, rapaz de
20 anos, filho dos donos da casa, que não morava lá, estava apenas
de visita.
A
empregada disse que a patroa tinha levado a chave da lavanderia;
policiais pediram ao porteiro Miguel um pé-de-cabra para arrombar a
porta... a empregada se assustou e disse à Tiago, se justificando:
“Não tem jeito, tem de abrir”... foi buscar a chave e abriu a
porta (já começou mentindo).
Ao
ingressar, a policial Jussara disse não te notado nada estranho à
sua frente... então, olhou pra o lado direito e viu a menina!
Vídeo do momento do resgate
A
menina Lucélia, 12 anos, tinha os braços acorrentados à escada de
ferro que sobe para a caixa d'água; os braços erguidos, os pés mal
tocavam o chão. Ela calçava luvas de borracha, amarradas por um
cordão – a polícia acha que era para evitar marcas de correntes.
Nos pés, tênis e meias cobertos por sacos plásticos.
O
agente Jaime Jardim olhou para a boca da menina e entendeu por que
ela não respondera quando bateram à porta: a boca estava tampada
por esparadrapo; dentro, um chumaço feito com um pedaço de fralda
velha (na casa, morava um bebê, filho de Vanice). Os dois agentes
libertaram a menina, que disse que seus braços doíam muito e
perguntou: “Vocês vão me levar para meu pai?”.
Silvia e a vítima |
Pouco
depois, surgiu Silvia Calabrese Lima, 42 anos, dona da casa e de uma
loja de cosméticos... saiu de lá presa; fora avisada pelo marido, o
engenheiro Marco Antônio Calabrese Lima, com quem os policiais
conseguiram falar ao chegar ao apartamento.
Vanice
também foi presa no momento e entregou aos policiais um caderno onde
anotava os fatos do dia, por ordem de Silvia; na segunda, havia
apenas 2 anotações: “5h41 – chamei a Lucélia; 5h45 – amarrei
a luva”. Como a menina foi achada às 10h30, conclui-se que se um
martírio durou mais de 5 horas.
Segundo
depoimento de Lucélia, algumas vezes era acorrentada por Sílvia,
outras por Vanice – que admite o fato e diz ter agido por medo da
patroa. Preferia ser acorrentada por Vanice porque ela não colocava
pimenta no pano enfiado na sua boca; já Silvia tinha fixação por
pimenta: passava nos olhos, boca e nariz de suas vítimas – outras
4 jovens se apresentaram dizendo ter sofrido nas mãos dela.
Lucélia
apresentava mutilações na língua – contou que Sílvia a apertava
com alicate... em dada ocasião, ficou girando com ela com a língua
presa pelo alicate. A menina tinha marcas de ferro quente em cada uma
das nádegas e na coxa direita; as unhas das mãos pretas – a
torturadora prendia seus dedos na porta. Os dedos dos pés estavam
roxos e machucados, resultado de golpes com martelos de cozinha. Num
desses golpes, contra a boca, quebrou um dos dentes da frente. Também
fora obrigada a tocar certa parte da máquina de lavar roupas para
levar choques.
Após
fazer 12 anos, em novembro de 2007, a tortura se intensificou:
passava dias amordaçada, pois, Silvia dizia que a voz da menina a
incomodava. Tomava banho frio, dormia no chão da lavanderia, passava
muito tempo sem comer ou tinha que se alimentar com a ração do
cachorro ou ingerir fezes de animais. Também era submetida a
afogamentos no tanque: “Ela amarrava minhas mãos e meus pés,
depois me mandava abaixar e sentava na minha cabeça”.
Uma
das torturas mais graves ocorreu num sábado... a menina ficou o dia
todo acorrentada na lavanderia, exposta à chuva e ao sol. Segundo
ela, seus braços começaram a doer insuportavelmente, então,
começou a chorar, o que incomodou Silvia que disse que a “ensinaria
a não incomodar mais”. Pegou cinco sacos de plástico e enfiou um
a um em sua cabeça, enquanto Vanice segurava suas pernas. Lucélia
começou a se debater e acabou desmaiando, o que assustou as duas
torturadoras. Nesta noite, Silvia deixou a menina dormir em cima de
uma coberta.
Lucélia |
Segundo
Vanice, todas as suas ações foram a mando de Silvia e participou de
todas as torturas; além disso, tinha medo dela, não queria perder o
emprego e nem que ela se voltasse contra seu bebê. As torturas se
agravavam em progressão geométrica, o que poderia culminar com a
morte da menina. De acordo com a delegada, Silvia é uma pessoa
cruel, tinha prazer e se divertia fazendo isso... sempre tratou bem
os 3 filhos que tem com o engenheiro – só o mais novo morava na
casa na época (tinha 3 anos).
O
marido de Silvia alegou que viajava muito e não sabia das torturas,
o que foi confirmado pela menina que disse que as “maldades” eram
feitas quando ele não estava, mas contou que num dia de fevereiro,
Marco entrou em casa e a surpreendeu amordaçada, com sacos plásticos
nos pés, limpando um banheiro. Ele a livrou da mordaça e a menina
lhe contou sobre a tortura com alicate na língua e outros
padecimentos. Marco se dispôs a levar Lucélia para a casa de uma
tia e chegaram a ir para o carro, mas Silvia prometeu que não faria
mais nada errado e, então, Lucélia ficou.
Declarações da menina
após o resgate
As
outras meninas que disseram ter sido torturadas por Silvia tinham o
mesmo perfil: nascidas em famílias pobres, a conheceram por meio de
pessoas que trabalhavam para ela. No caso de Lucélia, era sobrinha
de uma ex-empregada de Silvia. Outra menina era filha de uma manicure
de um salão de beleza que Silvia frequentava. Ambas dizem que, no
começo, Silvia mostrava-se simpática e as convidava para ir à sua
casa e visitar o sítio da família. Depois de ganhar a confiança
das crianças, pedia a seus pais que as deixassem morar com ela,
alegando que tinha 3 filhos homens e que sentia falta de uma menina.
Para
Lucélia, prometeu matrícula na Escola Militar de Goiânia (onde a
menina estudou por apenas 6 meses)... ela sonha em ser policial.
DADOS
PROCESSUAIS
No
Inquérito Policial, a delegado indiciou seis pessoas, incluindo
parentes de Silvia. Em abril, a menina deu uma declaração em
entrevista dizendo perdoar a “tia Silvia” e que, quando crescer,
quer ser advogada.
Silvia
respondeu à uma ação reclamatória trabalhista e por redução à
condição análoga à de escravo referente à menina. Por
determinação da Décima Vara do Trabalho, de Goiás, uma medida
cautelar inominada tornou indisponíveis os imóveis, contas
bancárias e veículos em nome de Silvia, do marido e do filho. Além
das verbas trabalhistas no valor de R$ 1milhão, havia outros dois
processos: um pedido de indenização por danos morais e materiais
tem favor da menor; e outro com o mesmo valor, a ser revertido para o
Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT).
Em
agosto de 2008, o STJ negou exame de insanidade mental para Silvia,
alegando que apenas a declaração desta sobre ter sofrido abusos na
infância não era o suficiente para a instauração de incidente de
insanidade mental
(https://ww2.stj.jus.br/processo/revistaeletronica/inteiroteor?num_registro=200801127600&data=6/10/2008).
Silvia
foi denunciada como incursa, em tese, nas sanções dos artigos
136, §§2º e 3º, 148, §2º, ambos do Código Penal, e no artigo
1º, inciso II, §3º, primeira parte e §4º, inciso II da Lei n.
9.455/97,
por ter supostamente submetido uma menor de idade às sessões de
tortura física, maus-tratos e cárcere privado – dados constantes
no HC
n. 107.102/GO,
Quinta Turma do STJ.
Em
30 de junho de 2008, Silvia foi condenada à 14 anos, 11 meses e 5
dias de prisão, em regime fechado; Vanice foi condenada à 7 anos e
11 dias de detenção, também em regime fechado – segundo o juiz
da 7ª Vara Criminal, José Carlos Duarte, a princípio, Vanice
cumpria ordens mas, depois, passou a agredir a menina longe dos olhos
de Silvia, por conta própria. Marco Antônio, culpado por omissão,
recebeu pena de 1 ano e 8 meses de reclusão mas, por sua
primariedade e bons antecedentes, foi convertida em prestação de
serviços à comunidade. O filho de Silvia, também acusado por
omissão, foi absolvido.
Em
19 de abril de 2011, Silvia foi condenada à 11 anos e seis meses de
reclusão em regime fechado, por manter em condição análoga à
escravidão as menores Lucélia Rodrigues da Silva (10 anos) e Lorena
Coelho Reis (15 anos). As meninas eram obrigadas a realizar serviços
domésticos exaustivos sem receber por isso, além de serem
constantemente agredidas e impedidas de manter contato com a família.
Segundo
a Assessoria de Comunicação da Procuradoria da República em Goiás,
a
sentença reconheceu que a motivação e as circunstâncias do crime
são desfavoráveis, pois Sílvia é “uma pessoa de boa formação
cultural, possuía condição financeira considerável, moradia de
alto nível, e, nessas condições, poderia contratar vários
empregados domésticos.”
O marido de Sílvia, Marco Antônio Calabresi Lima, foi condenado a três anos e seis meses de reclusão, porque, embora ciente da situação de trabalho exaustivo e humilhante a que era submetida a menor Lucélia, se omitiu em evitar que a menor continuasse trabalhando em condição aviltante em sua residência. O juiz substituiu a pena privativa de liberdade imposta a Marco Antônio por prestação de serviço e pagamento de 30 salários mínimos para o Centro de Orientação e Reabilitação em Encefalopata (Corae). Segundo informações, cumpriu a pena e deixou o Brasil.
A empregada de Sílvia Calabresi à época, Vanice Maria Novais, foi ABSOLVIDA, pois, a sentença reconheceu que a empregada estava sujeita à dominação de Silvia. Segundo a sentença, Vanice não recebia salário e não teve sequer respeitado o período de repouso necessário após a gravidez e o parto.
De acordo com informações do sistema prisional, Silvia apresenta boa conduta dentro do sistema carcerário, interna da Penitenciária Consuelo Nasser, em Aparecida de Goiânia. Nas horas de folga lê a Bíblia, procura se evangelizar e conversa com as demais detentas... segundo algumas, ela é “maravilhosa”.
Em dezembro de 2012, Silvia, com 46 anos, teve seu pedido de revisão criminal negado pela Desembargadora Lília Mônica de Castro Borges Escher – a defesa entende que Silvia foi condenada na Justiça Federal pelo mesmo caso em que foi condenada pela Justiça Estadual (http://www1.trt18.jus.br/ascom_clip/pdf/32051.pdf). É possível que receba o benefício de progressão de regime e seja solta em 2014.
Desde 2009, Lucélia vive com seu pai (que obteve a guarda da menina), separado de sua mãe biológica que, na época, perdeu a guarda.
Fonte:
Coordenadoria Estadual da Mulher, Governo de Santa Catarina
Veja.com
– Estadão.com – Fococidadão.wordpress
DM.com.br
Procuradoria
da República em Goiás
Paulolopes.com
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